Não sei se te contei, mas ainda faço balé naquele estúdio de dança da avenida. Lá mesmo, perto daquela padaria grande, que sempre tem cheiro de pão de cebola, você lembra? A gente tomou café por lá inúmeras tardes, e foi naquela mesma padaria que eu comprei seu bolo de aniversário e você foi lá pagar. Se você parar pra pensar bem, sei que você se lembra. E se lembra do estúdio também, porque foi lá que nós brigamos por conta daquela menina-muito-chata que dava em cima de você no ônibus. E foi lá que eu te contei que passei na faculdade e você me pediu para prometer que eu casaria com você um dia. Lembrou agora? Eu tenho certeza que sim. Eu sei que nós não nos falamos há algumas semanas, mas queria te dizer que sempre que passo por aquela padaria para ir para o estúdio, eu me lembro de você. Sorrio tranquila e entregue, lembrando-me dos nossos dias juntos. Eram dias incríveis, você deve se lembrar. Só não sinto saudade.

Não me interprete mal, nosso histórico de dias e momentos é incrível e eu não consigo controlar a vontade de sorrir e o calorzinho gostoso que invade meu peito, mas eu não sinto saudade. Se eu tivesse a chance, se a gente ainda se gostasse daquele jeito e tivesse toda aquela fome de provar o amor que tínhamos, ainda assim, não iria querer de volta. Lembrar-me de como nós adorávamos comprar salgadinhos na padaria ou como tomávamos cappuccino fingindo estar em Londres sempre acalma minha alma, mas não me ilude. Não me motiva a olhar para trás. Veja só, já estou sorrindo só de falar sobre isso, mas não quero de volta. Te agradeço pela lembrança. Orgulho-me do que construímos e vivemos, mas é só.

E você bem sabe que nós, vira e mexe, ainda dividimos momentos. Como aquele dia que você me esperou no ponto de ônibus só para me dar parabéns mais cedo – já que estaria viajando exatamente no dia. E como eu te ajudei a escolher as fotos para o convite de formatura. Da mesma forma como sempre nos abraçamos e bebemos juntos quando nos encontramos em shows na cidade, e não cansamos de falar sobre a sua namorada – que devo admitir, além de linda, tem um gosto incrível pra roupas. Tá vendo? Não tem nada que me lembre nós dois e que não me faça sorrir ou não me faça bem. Mas isso não quer dizer que eu te quero de volta, assim como sei que você também está em paz com nossa decisão de partir da nossa história. E eu sei que houve inúmeras vezes, durante nossos inúmeros términos, em que eu venci o caminho da minha casa para avenida, e passei pela esquina da sua rua. Lá mesmo, onde você me esperava. Sempre pensei que entre minha paz de espírito e a sua esquina, eu preferiria a esquina. Hoje, prefiro a paz de espírito. Você ainda me faz sorrir como sempre fez, mas não sinto saudade. E nem vontade, a paz sempre valeu mais.