Você sabe que eu nunca escrevi para você, mas agora eu decidi. A saudade me fez tomar coragem e esclarecer os fatos de uma vez. Você quer a verdade, então? Tudo bem. Eu me lembro dá última briga: nós dois desopilando os rins dentro de um carro, falando alto, tentando entender porque diabos não nos entendíamos. Faz algum sentido? Sinceramente, até hoje não sei. E depois do eminente fim, quando eu saí do carro batendo a porta como se aquilo fosse um caixão, enterrei nosso amor na cova da saudade. A cova do esquecimento estava muito cheia, então restou a da saudade. Dolorida e insistente.

Aí comecei a pensar sobre o começo, porque é sempre assim. No fim, a gente sempre pensa no começo.

Me lembrei de inúmeras coisas, inclusive de quando eu botei meus olhos sobre os teus pela primeira vez, e os teus encontraram os meus. E doeu. Aí desisti, e guardei a saudade numa caixa e deixei caída embaixo da cama, sem perspectiva de tira-la de lá. No entanto, como pegadas deixadas na praia eu encontrei um rastro até você. Foi um sorriso, um abraço e um suspiro tão doloroso que me fez ter vontade de pegar você no colo. No entanto, quem me pegou no colo foi você. Você falou sobre a vida, sobre seu curso e sobre a sua chateação de eu nunca ter escrito nada pra você. De durante todo o tempo que passamos distantes um do outro, nenhum sinal de fumaça existiu. Nenhum comentário, uma citação, qualquer coisa. Nenhuma coisa que pudesse te dar um indício de que tinha sido especial. Voltei a afirmação dizendo que você também nunca tinha escrito nada pra mim. “E veja lá, querido, você sempre foi o único cara que entendia essa minha mania de alergia a compromissos”. Ele riu dizendo que entendia, mas não concordava. “Nunca foi alergia, era simplesmente não ter encontrado o cara certo. Era, talvez, você ainda não ser a mulher certa”. Eu ainda me assusto com a maneira que você sempre sabia a verdade quando nem mesmo eu tinha percebido.

Depois daquela conversa, o seu sorriso, o seu cheiro ou o par de olhos que pareciam sempre me devorar, apareciam em flashes durante o dia, me fazendo questionar a minha sanidade. Por ironia, eu acabei mexendo nas coisas do meu ensino médio, eu encontrei uma foto nossa em uma festa da escola. Você com aquele óculos espelhado e eu de roupa indecente de quadrilha. No verso, a frase “Você estava lindo na hora do intervalo. Não aguentei e tive que ir falar contigo”. A data nem importava, mas então eu me dei conta que em todo o tempo que passamos juntos ou separados, mesmo eu nunca tendo feito nada por você, eu me partia em quatro e mostrava para você como eu era frágil e fugaz. Porque você era o único cara que entendia isso, e entendia todo o conteúdo a mais que vinha. Ô querido, você tinha toda essa coragem meia trêmula, mas que encarava.

Depois me lembrei do dia do jogo do Brasil, na copa, que você me chamou para conversar. E foi nesse dia que você se declarou para mim, e sabe lá Deus porque você olhou para mim e viu algo sexy no que via. Aí lembrei que algum tempo depois, as coisas iam mal, e eu estava com ciúmes, e em um surto de instabilidade emocional feminina eu te agarrei e você me pediu em namoro. Foi ridículo. Mas foi menos ridículo do que aquela vez, ainda terminados, você me ligou bêbado pedindo para voltar. Você saiu cantando meu nome por ai, e eu fiquei quase um mês sem falar contigo. Eu não sei por que exatamente você não mereceu que eu fosse atrás de você, quando olhou pra mim, sorriu com seus olhos azuis e disse “você tem pintinhas nos olhos”. Ou quando leu um texto meu e foi sincero ao dizer que tinha gostado. Ou mesmo quando, já de saco cheio de eu ficar com você e com mais metade da cidade, você me chamou pra assistir o filme “O amor não tem escalas”, mas sabe amor, o nosso tem.

Também não sei por que eu não me agarrei em você quando você foi naquela festa junina brega da cidade e me viu dançando com um cara, e veio me dizer “Me deixa cuidar de você”. Talvez eu devesse ter repensado as minhas atitudes, ter assumido que tinha medo e de quebra confessado que eu era bem filha da puta mesmo aquela época. Enquanto eu me perguntava porque eu não te dei uma chance durante todos esses anos, eu me perguntava também como você não me mandou ir a merda quando eu te pedi pra me fazer companhia enquanto meu namorado viajava. Me levou pra assistir filme, comprar pipoca e olhar livros na vitrine no shopping. E você me olhava de canto de olho, se perguntando por que raios fazia isso com você mesmo. Acho que porque eu adorava o jeito como você me olhava. Como se fosse me pegar no colo a qualquer momento e cuidar de mim. E eu me nutria disso. Me aproveitava. Sugava seu amor para sobreviver em meio ao tornado que minha vida sentimental era durante a mudança do coração para a boca, da boca ao fígado, do fígado ao pâncreas, depois para a boca e depois pâncreas de novo, e depois o fígado. Depois você começou a namorar uma menina e me deixou pra lá, jogada como se eu fosse uma coisa velha. Tá, vou poupar o drama. Você me xingou toda na intenção de me afastar, e conseguiu. Eu estava surpresa, machucada e com o orgulho ferido. Então, me fiz de forte. “Vá para o inferno” eu me lembro de ter gritado e te dei as costas pra não virar mais. Eu podia ter escrito um texto para você aí, a tristeza e a raiva rendem bons textos, mas meu orgulho falava mais alto. Claro que eu senti ciúmes e senti uma falta absurda de você. Foi uma época complicada depois disso, ainda mais por aquele dia que você me xingou até desopilar todos os cantos do seu fígado que nem deveria existir mais depois do tanto que você bebeu antes de namorarmos enquanto tentava me conquistar e depois que a gente terminou, sofrendo pelo termino. Eu fiquei numa tristeza sem fim, toda caidinha. Aí me encontrei com sua irmã e ela disse “Ele ainda chama você de noite”, e aí fiquei feliz de novo. Aquela época eu fui mais você do que fui qualquer homem que tinha passado pela minha vida. E eu demorei tanto pra me dar conta disso, que no dia em que você me ligou e me chamou pra conversar, eu nem fiz questão. Mas fui. A gente se esbarrou e nos olhamos, como sempre. Com aquele ar de reconhecimento. Nada foi dito. A gente só se encarou. Aí você me pegou no colo, eu te beijei, e você murmurou “Eu te amo”. Foi um feitiço. Essa coisa que é dolorosa mas gratificante quando dita. Foram meses intensos e interessantes, até a última briga. Eu te mandei ir embora, e pela primeira vez, você foi embora sem sentir nenhuma pena nisso. Foi a primeira vez, em todos esses anos, que você simplesmente foi embora. Como se eu fosse só mais uma coisa da sua vida cheia de coisas que não são ela e que você fez questão de ressaltar. A sua saudade machucou de um jeito estranho dessa vez. Eu queria te ligar, eu queria te pedir pra voltar, mas você tinha sua vida e eu tinha a minha. No meu aniversário, eu só queria que você ligasse. Você não ligou, não apareceu. Fiquei triste, mas não liguei. Preferi repetir para mim mesma que você era só aquela caixinha na cova da saudade, enterrada embaixo da minha cama. Eu andava desanimada e de olhar caído, até que me esbarrei em alguém. Literalmente. A gente se encarou com aquela nossa música de fundo e ninguém disse nada. O silêncio venceu, mas a saudade se fez rei. Machuca até hoje. Que saudade eu tenho de você.