Encaro a tela branca do computador que me mostra que você ferrou mesmo com a minha cabeça e a minha inspiração. Não sei o que sinto. Não sei exatamente o que dizer, mas sei que preciso falar. Falar que essa baboseira de se apegar é baboseira mesmo, mas é real. É hipocrisia dizer que depois de tantos meses juntos nem um fiapo de apego se formou entre nós. É hipocrisia dizer que não ligo pra sua indiferença, ou que você reforce que não sente ciúmes mesmo. Não sente mesmo? Será que eu não ligo?
Parando para refletir, acho que não teremos essa resposta. A sociedade nos condicionou tanto a evitar o apego que nós caímos na nossa própria armadilha, caímos nessa ladainha do século 21, da geração desapego, de seguir a vida com um, dois, três caras. Eu tive disso. Tenho disso. Vivo isso. Mas veja bem, isso não me basta amor. Eu não quero você. Não quero você pra ficar do meu lado vinte e quatro horas por dia, não preciso de você pra andar e nem pra acordar de manhã. Mas eu gostaria do seu colo em um domingo a tarde, para que ficar deitada vendo filme não seja tão deprimente.
Eu queria que a gente se escolhesse em uma sexta a noite, e fosse beber. Ou fosse transar, ou só jantar. Não me importa a ordem das coisas contanto que eu não tenha que ir embora no dia seguinte, seguindo uma caminhada da derrota, em que eu sempre vou e você fica. Ou então, que você vá trabalhar, mas que eu ainda possa estar lá quando você chegar do trabalho só porque estou cansada demais para me levantar da cama e ir embora. E que não seja demasiado estranho andar de mãos dadas e soltar frases aleatórias de como eu adoro teu sorriso. Porque porra, eu adoro teu sorriso. Mas não te amo. Não te quero do meu lado sempre. Eu só quero poder aproveitar o tempo com você. Porque é bom. Porque somos bons nisso. Porque eu escolhi você. E não escolhi porque não quero ficar sozinha, porque eu quero ficar sozinha. Mas eu não preciso ficar só. Posso ser só eu comigo mesma e ainda ter teu colo. Você ainda pode ser completamente independente e ainda assim me escolher para ir em bingo quinta-feira à noite. Não precisava ser tudo calculado, é só deixar rolar.
Não é amor, querido. É algo maior ainda. O apego acena de longe para nós dois, mas você não vai e nem eu vou. Você recita por ai que somos só amigos e eu compactuo com isso, dizendo que não passa de sexo. Mas passa. Você sabe que passa. Entorna. Transborda. Porque se não transbordasse, você não procuraria minha mão quando se sente estranho. E eu não ia deitar no teus braços tão confortável e alheia aos outros. No entanto, não é só apego. É medo também. Você se aproxima, e se afasta. Eu me abro e me sinto exposta. Cada um se recolhe em sua liberdade minúscula, para em seguida se libertar em nossos infinitos que duram um final de semana. No final de tudo, a gente se encara. Como a primeira vez. Como sempre. É apego e você sabe. É carinho. É carência. É paixão. É sexo, é fogo. Mas insiste tanto em não ser nada disso, que no final a gente só sorri, com a sensação de que não acabou. E não acaba. Porque nem nunca começou.