Era quinta-feira à noite. Eu estava tremendamente cansada do dia exaustivo que eu tinha tido. Ou melhor, da semana exaustiva. Cheguei em casa desesperada por tirar meus saltos e quando enfim pude deitar na minha cama, fui embalada pelos os edredons quentinhos que pareciam estar com mais saudade de mim do que meu gato.

No entanto, a fome bateu meu cansaço e eu me vi obrigada a levantar para preparar alguma coisa. Frio demais para uma pizza, quente demais para uma sopa de batatinhas. Me vi tentada a comer bolo de chocolate e jogar a dieta fora, quando o interfone tocou. Eu já estava bem acomodada no sofá, junto com meu edredom saudoso, que nem me dei ao trabalho de atender. Tocou de novo. Odeio esses barulhos de toque de telefone, de interfone ou celular. Deus me ajude, mas isso devia ser banido da sociedade. Quando tocou a terceira vez, a minha atenção já tinha sido roubada do filme que passava na televisão, mas ainda assim não levantei.

Mordi o bolo outra vez. Estava muito bom, eu estava quentinha e meu gato estava esparramado ao meu lado. Quando o silêncio reinou, sorri de canto comemorando a minha vitória íntima contra o barulho do interfone. Mas para a minha tristeza de pobre, tocou o telefone da sala. Minha paz foi para a puta que pariu. Outro barulho que eu odeio. Gente, como pode esses barulhos irritantes? Me vi tentada a atender para fazer o barulho cessar, mas caiu na secretária eletrônica.

Você ligou para a residência da louca da Ana Estranha, se eu não atendi é porque estou dormindo. Deixe seu recado que eu retorno. Não ligue de novo. Bye.

A risada dele inundou o silêncio do meu apartamento. “Por que você é sempre tão você, Ana?”. Me virei na direção do telefone, mais uma vez tentada a atender, mas a risada e a voz dele me embalavam de um jeito tão gostoso que eu só queria ouvir. Fala mais, fala mais! Malditos trinta segundos, são tão pouco! “Você provavelmente deve estar afundada no seu edredom roxo.” Ele deu outra risada matadora. “Só queria dizer que lembrei de você, vi um livro chamado ‘Como sobreviver nessa vida sendo louca’, pensei até em te comprar mas me dei conta de qu..”. A linha caiu. Maldita secretária eletrônica.

Dispensei meu bolo, desacomodei meu gato e estava pronta para levantar quando o telefone tocou de novo. Primeiro a raiva instantânea que o toque me causava, depois o barulho da secretária eletrônica. E a risada dele inundou o silêncio de novo. Eu relaxei. “Trinta segundos são muito pouco, você deveria mudar. Mas o fato é, porque te comprar um livro se provavelmente você escreve melhor, não é? Saudade de você. Deveria atender a porta de vez em quando.” Confesso que fiquei bem emputecida. Tocou o interfone só três vezes? Que tocasse dez, porcaria! A linha caiu, e a secretária desligou na cara dele.

A essa altura o gosto doce do bolo já não me inundava a boca mais, então me levantei, catando meu celular dentro da bolsa. Voltei para a minha posição de segurança e conforto e comecei a digitar uma mensagem para ele. Eu poderia até mandar cartas, adorava palavras à essa altura – pode apostar. “Espero que essa merda seja mais do que trinta segundos inúteis, ou melhor, que você consiga ler mais do que trinta segundos.” Eu ri, abafada como ele. Enviei. “Só queria dizer que eu estava, sim, embalada pelo meu edredom roxo e você deveria ter tocado a campainha mais vezes. Sou preguiçosa.” Enviei.

O telefone tocou de novo. Caiu na secretária e a risada dele deu olá novamente, me arrancando mais sorrisos. “Você não falou do livro, meu amor. Será que você escreveria um melhor, ou prefere ler o livro de uma outra autora?” A linha caiu. “Eu preferiria tantas outras coisas diferentes das coisas que tenho que fazer, e você sabe disso.” Enviei. E por aí foi. Continuamos conversando por mensagens. Minha secretária lotou e provavelmente a caixa de mensagens dele também. Passamos a madrugada inteira assim, e quando o sono ficou mais forte e eu já fazia mais parte da cama do que meu lençol, me despedi. “Muito obrigada por essa deliciosa conversa de madrugada, que foi embalada por suas risadas e minhas mensagens. Boa noite.” Enviei.

Eu já estava deitada no quarto e ele provavelmente tinha dormido no intervalo em que eu fui escovar os dentes e depois voltei para a cama para me despedir, no entanto, o telefone tocou mais uma vez. Abri os olhos, no susto, e a secretária o recebeu. Não tinha mais a risada abafada de mais cedo, só a voz arrastada de cansaço. “Só queria dizer que a madrugada também foi embalada por nosso amor. Boa noite, Ana.” A linha caiu, e o silêncio reinou.

“Boa noite.”