Hoje, terminei de empacotar a última caixa. Hoje, chequei os quartos e as gavetas para ver se havia me esquecido de algo, mas parece que guardei tudo sim. Se havia vestígio de nós dois por esse apartamento, hoje ele foi abafado pelo vazio e pelo vácuo. Não restou nenhuma foto ou luminária. Nada que alarde nossa história. Não há rostos de nós dois, mas aquele sofá ainda está lá. Não tive coragem de levá-lo. Acho que eu jamais teria.

Apesar das caixas e do lixo já bem cheio lá fora, você, de alguma forma, continua aqui. Um vulto conhecido, esperado, acalentador. Uma lembrança esfumaçada e cheirosa. A entidade mais quente desse apartamento frio.

O sofá é nosso ponto de encontro, um escape tátil para os abraços que não podemos trocar. Nele eu sinto a sua presença, ou a presença de quem eu gostaria de que você fosse. Nele eu guardo a melhor parte do restou de nós. Nele eu ainda passo as melhores horas da minha vida.

No entanto, é nesse sofá que você mais me dói. Embora tenha sido ali que nos amamos pela primeira vez, foi nesse mesmo lugar que você me traiu. Como um globo de neve que se espatifa no chão, nosso amor partiu-se em vários pedacinhos. Demorei meses para juntá-los e enfim empacotar minhas coisas.

Tô de mudança, e esse sofá fica aqui. Deixo-o como uma recordação amarga da nossa história e como um lembrete de que, embora sofás remetam ao descanso, a culpa que se impregnou nesse aí não te dará sossego. E nem paz.

Resolvi deixar tudo para trás. As lembranças, nosso amor, o sofá e você. É, deixei o sofá pra você.

Texto escrito em parceria com Samuel Aguiar.