Na semana passada ele gritou da cozinha: “se for estuprada ao sair da balada de madrugada, a culpa é sua”. No final do mês de março, ele disse que se eu ficasse bêbada estava pedindo para ser assediada. E Deus me livre entrar no carro de algum amigo meu, porque se ele tentasse algo eu não poderia dizer não. Não poderia andar de roupa curta, não poderia transar porque é coisa de puta. Dizer que não quero me casar e prefiro me estabelecer financeiramente? Nem pensar. Mulher não tem disso, filha. Mulher não pode.

Você se assusta, talvez. Parece distante para você? Talvez você seja homem. Talvez, seu pai não seja machista. Talvez você não tenha que passar por situações assim, mas não quer dizer que elas não aconteçam. Meu pai tem duas filhas, duas meninas que ele criou com o maior dos apreços e carinhos. Mimou, educou. Pagou tudo do bom e do melhor. Me deu liberdade de escolha, segundo ele. É ballet ou natação. Judô não pode. Inglês ou francês, filha? Porque tirar a carteira não pode. Faculdade de pedagogia ou direito? Quê? Publicidade? Não, não pode. Engenharia? Não, coisa de homem. Tá querendo fazer curso só pra conhecer macho? Essa liberdade falada que a sociedade acredita ter dado as mulheres por conta do leque de opções existentes é mais uma das mentiras e histórias para boi dormir. Poucas são, as que de fato, encaram e conseguem escolher sem julgamentos. Muitas são aquelas, que assim como eu, consegue, mas contra partida tem que bater de frente com alguém que elas jamais pensaram que teriam; seu pai. Aquele que cuidou de você, velou teu sono, prezou pela tua segurança e já avisou de ante-mão; se for estuprada, a culpa é sua. Pai, eu não mereço ser estuprada.

Não mereço ser cercada em uma rua vazia. Não mereço ter que me preocupar se a minha saia é maior do que a dignidade do outro cara que tá me encarando. Não mereço ter que deixar de sair em uma sexta-feira a noite só porque não tem carona garantida e pegar táxi nem pensar. Eu não mereço ser julgada pelo o que resolvo fazer com o meu corpo. Se resolvo dá pra um ou pra vinte. Pai, eu não mereço ser estuprada só porque apaguei de bêbada na casa da minha amiga e alguém achou que eu estava “pedindo” ou não “faria mal”. Pai, não mereço ser julgada como menos digna se sofri alguma agressão. Não mereço ter minhas decisões questionadas e comparada aos homens. Se eu escolhi engenharia, foi porque eu quis. Se eu tomo anticoncepcional, é porque eu quero. Se eu resolvo encher a cara, foi porque tive vontade. Não foi porque to preocupada com “macho”, pai. Não é porque quero ficar posando de quem pode, porque na real, eu posso mesmo. Posso, sei disso, e não preciso ficar carimbando de porta em porta como a maioria dos homens fazem. Vocês estão tão preocupados de ver as mulheres empoderadas dizendo não quando querem dizer, que não se dão conta de que a justificativa que usam para esse “fuzuê” é falha. Falta de rola? Falta de louça pra lavar? Minha fatura tá quitada querido, muito obrigada.

Passei de princesa de conto de fatas à mulher empoderada, graças a um pai machista e uma vontade louca de rodar o mundo e dançar na boquinha da garrafa que foi questionada e julgada. Me disseram não e eu questionei o porque. Mamãe não entendeu, ficou quieta. Papai achou ruim e soltou uma das frases que eu jamais vou esquecer; “a culpa vai ser sempre sua se algo acontecer”. Vai mesmo? Não mereço ser estuprada pai, espero que se dê conta disso. Diferente do que a sociedade prega por aí, mulher não é privada pra servir de depósito para as merdas que as pessoas pensam, falam e fazem. Diferente do que você, pai, pensa, não mereço ser estuprada. Eu espero que você, mulher, questione também o que é dito pra você, o que é imposto e oferecido. Não deixem que deslegitimem sua luta, só porque não acreditam nela. Você não merece ser estuprada.