Para quem é mulher, é natural pensar muito sobre como vamos sair de casa. Não falo por uma questão de estética ou vaidade, e sim de segurança. Minha roupa e meu comportamento está sempre condicionado a reação do outro. Não posso usar um short - nem mesmo quando está calor - porque chama muito atenção e vou andar sozinha por muito tempo. Não posso usar um decote, pois os olhares agressivos vão me deixar nervosa demais para conseguir prestar atenção em tudo a minha volta. Salto nem pensar, e se eu precisar correr? Calça nem tão apertada ou tão larga. Homens costumam ter a impressão de que podem apertar tudo o que se apresenta a eles, e isso é constrangedor. Para quem é mulher, o medo é o primeiro acessório de cada look do dia. Já perdi a conta de quantas vezes desisti de sair com uma roupa que gostaria, e nas vezes que insisti, acabei sendo assediada e a sensação de impotência mata qualquer essência e paz de espírito.

No entanto, roubando-me das minhas considerações, em uma quinta-feira qualquer, lá estava ela. Eu almoçava em um restaurante perto da casa do meu namorado, e ela entrou. Os cabelos soltos, chinelos nos pés e um short muito curto. Ela andou calmamente pelo o espaço, fez seu pedido e então sentou-se em umas das mesas. No primeiro momento, temi por ela. Imaginei o quanto o short não angariaria atenção indesejada e poderia colocá-la em uma situação desagradável de ter que lidar com homens sem noções e invasivos. Mas ela parecia tão tranquila. Não abaixou o short uma vez se quer, toda confiante de si mesma e do look despojado. Uma onda de calor e entendimento se apossou de mim. Obrigada, garota do short curto, por me mostrar que quem decide sou eu.

Já me disseram muitas vezes que é o medo da agressão que vive validando essa realidade, e embora eu precise assumir que existem outras inúmeras variáveis que eu não controle nessas situação - uma vez que não controlo o outro e suas decisões, eu posso controlar a mim mesma e forma como vivo minha vida. Eu posso escolher o que vestir e como me portar, sem colocar, necessariamente, as considerações dos outros na frente da minha. É arriscado, como tudo na vida, mas libertador.

É claro que seria ingenuidade dizer que me sinto a vontade em andar com um short curto em um ônibus lotado, porque estaria mentindo. O mundo há muito do que evoluir e melhorar, mas eu posso escolher o short com a confiança de quem decide sou eu e avançar por entre os olhares desagradáveis sem me sentir coagida a me tornar cada vez menos feminina ou sexual para evitar essa situação. Porque sempre acontece. Não importa o look, não importa o tamanho do cabelo ou dos seios. O que chama atenção nem sempre é o sexo, é apenas a sensação de medo que instauram sobre os corpos femininos, limitando-os, tolhendo-os e culpando-os. Tanto quando são e quando não são. Desisti de lutar essa guerra que nem se quer fui eu quem começou.

Obrigada, garota do short curto, por libertar essa ideia dentro da minha cabeça e me fortalecer para saber que a decisão é minha. Embora todos sigam dizendo que eu deveria colocar uma calça, tapar o colo, usar cores neutras ou ignorar meu batom. Embora o medo ainda exista em mim, não vou mais usá-lo como acessório.