Eu nunca tive uma boa relação com a minha avó ou com minha mãe. A piori, depois de uns bons anos e danos, acredito que a relação conturbada entre minha mãe e minha avó me fez criar um senso de proteção para com minha mãe – afinal, quem ao ver sua mãe ser atacada por alguém que deveria cuidar dela e respeitá-la não ficaria indignada? Era esperado que eu criasse o que se chama de “ranço” com a cara da minha avó, agora, a minha relação com minha mãe foi ruindo pelas mesmas divergências; ela nunca aceitou que minha avó a agredia, já eu, não conseguia aceitar que ela aceitasse aquilo. Anos se passaram, eu fiquei mais velha, as opiniões e diretrizes foram sendo lapidadas e nosso ambiente familiar tornou-se uma zona de guerra em que eu sempre estava alerta para atacar.

E eu ataquei. Assim como minha vó, e assim como minha mãe. Espera-se que uma mãe cuide da filha e a defenda, mas minha avó nunca fez isso e minha mãe bateu de frente comigo inúmera vezes. Teríamos nos matado ao longo dos anos se eu não tivesse tido uma epifania emocional devido alguns problemas pessoais. Com muita dor e orgulho ferido, eu tive que perceber e assumir certas semelhanças – e eu diria que são grandiosas e absurdas, até – entre eu, minha avó e minha mãe. Absurdamente e por uma ironia de um destino que eu sempre chamo de sacana por aqui, nós éramos versões da mesma essência – intensas, amorosas, bravas e com personalidades fortes ao extremo. Cada uma reagia a sua maneira; minha mãe se calava, minha avó alfinetava e eu gritava aos quatro vendos e fechava a cara quando era contrariada. Tive que perceber, a duras penas, que todos os detalhes que eu tanto amava em mim mesma vinham diretamente das pessoas com quem eu menos conseguia lidar. Quão difícil é olhar para o espelho e enxergar a si mesma no que você não suporta? Foi difícil assumir, foi difícil lidar. Hoje, é imensamente engraçado. Minha vó ainda fecha a cara e reclama feito uma criança mau criada, assim como eu reajo da mesma forma quando não recebo o que quero.

Somos as variações de uma mesma essência e pessoa, e apesar de irônico é muito bonito também. É preciso aprender ter respeito por quem foi antes de nós. Essa talvez seja a maior relação de amor e respeito que tive que desenvolver comigo mesma e com outras pessoas no último ano, e ainda se mostra a maior batalha que eu travo diretamente; há dias que eu esqueço dessa semelhança e as acuso intimamente por não serem como eu gostaria ou esperava que fossem. Como é fácil amar as pessoas quando elas são extensões de nós mesmo, não é? Agora, e quando elas são mas isso não te convém? E quando elas são como você mas diferente? A semelhança irrita mais do que a diferença, porque a diferença pode ser discutida, mas não o que é igual, não pode ser questionado, afinal vem de você também. Se você critica quem fez de você quem você é, você está só criticando a si mesmo e esse é o caminho para o fim. Não atirar no meu próprio pé tem sido minha maior batalha interior, assim como cultivar o respeito e aceitação, porque puta que pariu, como é caro. Como é difícil. Hoje eu sou só filha, mas como deve ser difícil a mãe se ver na filha, porque também se vê na mãe. Será tão difícil para mim reconhecer em meus filhos os detalhes irritantes da minha própria personalidade que fazem deles quem são mas que também nos afasta? Espero que eles aprendam a lidar; eu ainda estou tentando.