Semana passada, um assunto virou pauta dos sites de notícias do país e, embora a realidade seja que o fato em questão é recorrente, parece que quando exposto na televisão a coisa vira um circo e é enxergada com outros olhos. Milhares de mulheres, de todos os países, de todas as classes sociais, sofrem, diariamente, com agressões. Sejam físicas, psicológicas, patrimoniais ou sexuais. O abuso, a agressão em si, nem sempre vem de um desconhecido, muitas vezes vem de quem temos em mais alta estima.

A notícia em questão abordava a relação abusiva de um respectivo casal, em que a garota sofria constantemente intimidações, pressão psicológica e, até a parte que foi exposta, agressão física. Assistimos inertes a relação ser fundada em um terreno arenoso em que, desde o começo, o cara tentou se colocar como superior em relação a namorada. Ele era mais velho, era rico, era médico, e ela, coitada, não era ninguém. Que sorte a dela ter ele do lado. Que sorte a dela que ele a quis. Assistimos a criação de diversas situações em que ela se sentiu desamparada, e e ele estava lá. Que sorte a dela que ele estava lá. Assistimos brigas motivadas por ciúmes sem fundamentos, discussões acaloradas, e o discurso era sempre o mesmo: “você tem sorte de eu estar aqui para você”, “você tem sorte de eu querer você” e, nas últimas semanas, a sorte da garota era tanta que segundo ele “você não vai me largar”. Você leu bem? Porque ele disse isso. A relação dos dois foi tão engendrada num machismo velado que ele só parecia um cara apaixonado, para a maior parte da população.

Mais brigas aconteceram, mais discussões. Ela gostava de explicar as coisas em voz alta, de expor sua opinião, mas que a sorte a dela que ele não precisava da opinião dela, não é? Que sorte a dela que ele não queria a opinião dela. Gritos, gritos, xingos. Intimidação física. Intimidação psicológica. Ele a agarrou à força para que ela parasse de discutir, e ela não queria ser agarrada. Ele tentou finalizar a situação saindo como vítima. Ele conseguiu convencê-la de que ela estava exagerando, de que ela estava sendo infantil. Que sorte a dela de tê-lo para dizer isso, não é?

Quando alguém se deu por satisfeito com os absurdos observados vinte e quatro horas pelo o Brasil inteiro, interviram. O relacionamento foi rompido. Ela foi avisada do que aconteceu. Anunciaram a ela, que não tinha se dado conta, que tinha sido vítima de agressão física e psicológica. Que o que vinha acontecendo era errado e ela não deveria passar por aquilo. Bomba. Susto. Confusão. Ela caiu no choro. A vítima, tão imersa naquela realidade, sente-se culpada pelo o que aconteceu. A culpa é minha. Fui eu que fiz isso. Ele bem que avisou. Que sorte a minha de tê-lo aqui para me avisar. Chorou sem saber pelo que chorava. Pela agressão ou pela culpa? Pelo susto ou pela consciência? Ninguém sabe o que se passa na cabeça de uma vítima que sente pena de seu agressor e sente-se culpada por tudo. Por isso te pergunto, o que é violência para você? Qual é o limite que você imagina dividir uma agressão de uma discussão? Qual o ponto exato para intervir? Ele não queria machucá-la. Ele falou. Ele não teve a intenção, eram só um casal. Afinal, era só mais uma história de amor, não é? Mas, sinceramente, quem foi que disse que era?