Você é a hospede mais quieta e tranquila que eu já vi. Não incomoda, não faz barulho – exceto quando quer ser ouvida e se faz ser entendida, tornando-me absorta, introspectiva e até um pouco irritada. Você, que prefere sempre a tranquilidade de estar sozinha do que em um bar rodeado de pessoa. Você, que prefere dançar sozinha na sala do que em uma boate cheia de gente vazia e sem graça. Você, que devora todos os livros da minha estante e me forçar a ler cada vez mais, e procurar outros títulos e possibilidades de conhecimento. Você que prefere ouvir faixas de estúdio do que as faixas feitas em acústico. Você que me força a andar quando o que eu faço normalmente é correr, sempre no piloto automático. Você que sempre me pede calma.

As pessoas sempre me dizem o quanto mudei, o quanto eu agora sou dona de mim e desinibida, já que na minha primeira infância eu era tímida e emotiva, sempre chorando no berço quando cantavam alguma cantiga de ninar para mim. Meus familiares não hesitam em dizer que agora eu sou uma mulher difícil de lidar, fruto de uma personalidade forte com um “Q” de um pequeno demônio com cara de boneca – o que eu acho ótimo, mesmo que há quem diga que não. Todos dizem que eu mudei. Eu mesma sinto que mudei. Eu desabrochei feito flor na primavera e descobri detalhes em mim que eu não esperava. Descobri detalhes sombrios e amorosos sobre mim mesmo.

No entanto, não apenas de mim mesmo; ela, ou melhor, você, ainda está aqui. Você ainda é uma hóspede discreta e fiel, que vira e mexe me cobra sobriedade e leveza para lidar com a vida. Você me cobra paciência para lidar com as coisas que não posso mudar e exige que eu aprenda a olhar para o restante com poesia e compaixão. Você me força a aceitar as partes de mim que eu ainda não sei lidar e pede que eu me ocupe apenas em ser eu mesma. Você me mostra que não há problemas em ser furacão ou ser brisa leve; eu posso ser os dois. Você, que me força colocar as pessoas para fora da minha vida quando preciso ficar sozinha, e sempre me faz voltar com a maior cara de pau, afinal.. eu sou quem eu sou e não vou me desculpar por isso. Você me força a fazer apenas o que quero fazer. Você não faz o que não quer, então eu também não faço. Só ando quando quero andar.

Existe uma estranha que habita em mim – mas não uma estranha no sentido de não nos conhecermos. Somos melhores amigas, e embora eu não saiba ao certo quando ela se apresentou de verdade, há muito ela faz parte de mim e somos duas faces de um mesmo rosto, que sempre olha para lados distintos. Às vezes, ela mesma me força a sair da casa e a procurar encrencas pela madrugada. Às vezes, ela me fala para deitar no peito daquele casinho de domingo à noite, só para descansar nos braços dele. Logo ela que não gosta de sentir-se presa, logo ela que gosta da liberdade. Liberdade, que eu sempre achei que fosse poder escolher o eu quisesse e fazer o que eu quisesse, mas que ela me mostrou que se trata também de, às vezes, não escolher fazer nada – que pode ser apenas estar consigo mesma, e estar feliz. Ela não liga se alguém vai chegar ou não, porque ela gosta apenas de si mesma. E eu também gosto de mim mesma. Porque ela sou eu, e eu sou ela. Mesmo que ela seja brisa leve e eu, furacão. Ou o contrário, eu não tenho certeza ainda.. afinal, o espelho é apenas um só e reflete nós duas.