Eu estou apaixonado. Foi assim que ele começou a conversa naquela quinta-feira à noite, depois da aula de italiano. João nunca fora um cara nervoso ou preocupado, mas ele estava agitado. Me olhava com a certeza de que uma tempestade viria a seguir, mas mantinha o olhar, convicto de que aguentaria. Eu estou apaixonado. Ele repetiu, me dando inúmeras justificativas, razões e motivos. Fazia muito sentido, pelo menos para ele.

Fui pega de surpresa, confesso. Nós eramos tão nós nos últimos meses, que escutar aquilo, daquele jeito, no meio da avenida me fez ficar tonta. Eu precisava me sentar, precisava processar a voz doce e agitada dele dizendo: eu estou apaixonado. Não sei dizer porque não acreditei no que ele me disse. Provavelmente medo, pavor muito certamente. Não queria perder o controle, não poderia dizer que queria que fosse verdade – uma vez que assumir isso, seria assumir que eu estava na mesma. E estar na mesma me deixava apavorada.

E a tempestade chegou. Tão barulhenta, tão fria e dolorosa. Instaurou uma distância velada entre as almas, mesmo que os corpos ainda se batessem em madrugadas desesperadas pelo o calor um do outro. Ele seguia convicto de sua decisão: me jurou que aguentaria. Eu, seguia apavorada. O pavor, que fez de mim menina covarde e insegurança. Que tirou de mim o controle. Ironicamente, o mesmo controle que eu achei que me entregar a ele me roubaria. O pavor deu lugar a raiva, que deu lugar a mágoa, que deu lugar a uma saudade imbecil e dolorosa. Que deu lugar para a cerveja e compulsão por docinhos de morangos da cantina da faculdade. A distância matava-nos cada dia mais.

Um dia, no italiano, escutei alguém dizer a ele que precisávamos de liberdade. Tínhamos que nos libertar. Soltar as correntes que ainda nos unia aquele carma infernal daquelas malditas amadas e doces palavras proferidas, mas que não foram recíprocas. Mais uma vez fiquei tonta. Depois fiquei apavorada, depois fiquei com raiva e em seguida, com medo. Um medo descomunal de vê-lo partir sem ouvir o que eu tinha para dizer. Eu estou apaixonada, eu disse. Ele me encarou, provavelmente com o mesmo choque que eu quando ouvi ele dizendo aquilo. O céu ficou claro, a tempestade foi embora, e restou apenas nós dois. Nos libertamos.