Deveríamos sim, acredite. Nós nos renderíamos as verdades óbvias que envolvem nosso relacionamento e assumiríamos por aí, felizes, que somos um casal apaixonado, apesar dos pesares. Apesar das personalidades fortes e brigas feias em que nos metemos com uma frequência absurda, nós deveríamos ficar juntos. Nós dividiríamos um apartamentozinho lá na Savassi, no terceiro andar – o suficiente para ver a rua bem do alto e me fazer odiar ter que subir com as compras. Você sempre me diria que eu fico lindaquando brava e eu te mandaria ir pro inferno. Você diria que já está nele, e eu atiraria coisas. Atiraria sapatos, o controle, as almofadas coloridas do sofá e aquele vaso verde escuro horrível que sua mãe nos deu. E então nós saberíamos; deveríamos ficar juntos.

Eu faria você questionar cada decisão tomada na construção da nossa história e perguntaria coisas boçais como a cor da minha camisa quando nos vimos a primeira vez naquele bloco de carnaval, só para testar sua memória. Você erraria de propósito. Você deixaria coisas espalhadas pela casa, usaria a minha caneca favorita e toda quinta-feira a noite, nós nos acabaríamos bebendo cerveja e jogando video-game. Adiaríamos o despertar de manhã umas dez vezes só para ficarmos horas nos beijando e nos abraçando para, no final das contas, chegarmos atrasados no trabalho e na faculdade também. Você me ensinaria alguma coisa sobre mecânica, e eu te convenceria a ir assistir filmes de terror no cinema – sim, aquele remake batido que você provavelmente vai odiar. Você compraria todos os tipos de balas e chocolates para eu me esbaldar, e eu respeitaria que você prefere fanta laranja a coca-cola. Assistiríamos o filme, atentos. E então saberíamos; deveríamos ficar juntos.

Nos final de semana iríamos correr, e depois iríamos a um rodízio de pizza. Sentaríamos na beira da escada da igreja ou daquela construção antiga que nós adoramos, e comeríamos amendoim. Iríamos ao bingo, a noite do karaokê e a aulas de forró. Você me agarraria no elevador. Eu te provocaria no supermercado. Cantaríamos duetos sertanejos dentro do Uber, e fingiríamos que não nos conhecemos no shopping. Eu sorriria pra você e você diria o quanto me ama, mesmo não sabendo quem eu sou. Eu fecharia os olhos e acreditaria em você, afinal, faz parte do nosso teatro às terças. Conversaríamos pela a madrugada adentro durante horas, só pelo prazer de estarmos presentes um com o outro. Nos beijaríamos no intervalo daquela série sobre dragões e decapitações, e o silêncio apareceria outra vez. Nos olharíamos, e saberíamos bem no fundo de nossas almas. É, nós deveríamos ficar juntos.