Aconteceu na sexta passada. Eu estava em um bar movimentado da cidade, sentada sozinha degustando da minha cerveja e a minha companhia. Não era dia de jogo, então não ficaria muito cheio – o que intimamente me deixava mais tranquila. Quem é mulher sabe o desgaste que é ter que disputar a própria paz e silêncio em um ambiente cheio e mais ainda, cheio de homens. Afim de evitar possíveis problemas, a gente se acostuma a olhar fixamente para frente ou o para o tampo da mesa, enquanto oscila entre viajar mentalmente ou digitar no celular. Tinha tudo para ser uma noite tranquila, exceto por um grupo de homens sentados a minha esquerda.

Mulheres que andam sozinhas não são antissociais ou estão a procura de algum homem para conversar, se quissemos isso nós sairíamos com alguém e não sozinhas. No entanto, as pessoas tem dificuldade em entender esse pequeno detalhe. Fui roubada da minha viagem mental por conta de alguns comentários de cunho sexual, enquanto tais homens perguntavam para mim em uma voz mansa se eu não gostaria de me juntar a eles, porque mulher não deveria sentar sozinha. É feio, faz mal. Você não quer que alguém pague sua cerveja, não? Ah, não finge que não está ouvindo, eu sei que você tá gostando. Dá um sorriso, vai. Quando revirei os olhos, eu fui chamada de mau comida. Sério isso, cara? As oito da noite de uma sexta? Pelo amor de Deus.

Mas para minha surpresa, rompendo pela a chuva de comentários desagradáveis, uma voz conhecida se anunciou. “Ou, não mexe com ela não. Ela é filha de um chegado meu”. A voz era de fato conhecida, e eu me virei para confirmar e ele pareceu envergonhado em me encontrar ali naquela situação. Sorriu, acenando e se desculpou. Mas, antes que você pense na situação por uma ótica positiva, não foi assim que me senti. Ainda praticamente despida por conta dos olhares e comentários, reparei que a declaração hora nenhuma referiu-se a mim. Hora nenhuma o homem em questão atinou que os comentários desagradáveis estavam me incomodando e que eles deveriam parar porque NINGUÉM merece tal coisa. Se eu tô bebendo sozinha, me deixem em paz. Não estou gostando, não quero que paguem minha cerveja e não ligo se pega mal ou não. Ele não se desculpou porque se arrependeu de ter me incomodado, ele se desculpou porque conhecia meu pai. Você consegue perceber a diferença sutil? Pare, e pense um minuto.

O machismo dá abertura para esse discurso de “posse” masculina sob as mulheres. Os homens sentem-se a vontade para cantar mulheres, incomodá-las(sim, seus comentários não passam de resmungos babacas e desnecessários) e coagi-las. E, quando enfim algo parece romper por entre esse véu, na verdade estão só trocando seis por meia dúzia. O machismo ainda é tanto, que o cara do bar se sentiu sem jeito por mexer com a filha de outro homem – e não por de fato expô-la. É a mesma história quando um homem canta uma mulher na balada e então percebe que ela está acompanhada.. se desculpa com o namorado. Ou quando tenta agarrar a irmã de algum amigo, e quando o percebe o feito.. se desculpa com o amigo. Em pleno século vinte e um e as mulheres continuam sem o direito de achar ruim ou de escolher tomar uma cerveja sozinha, e Deus me livre se alguém resolver mexer com você e conhecer seu pai. Imagina o climão? Imagina a cena? Imagina o incômodo? Toma cuidado, viu. Porque não pode. Se acontecer, pede desculpa para o seu pai. Para o seu namorado. Para o garçom. Alguém vai merecer as desculpas né?

Minha cerveja esquentou tanto, que eu desisti de tomar a saideira e parti para outro bar – longe dos babacas da mesa ao lado e da sensação maçante de que mesma tão dona de mim, eu ainda estou diretamente ligada como posse de alguém. E que esse alguém merece desculpas por eu estar sentada em uma mesa de bar tomando minha cerveja e ter sido cantada por um bando de caras que eu nem se quer sabia o meu nome. Desculpa pai, eu não tive a intenção.