Você telefonou em uma sexta-feira à noite, já passava das oito. Como de costume, eu estava sentada no chão da sala relendo cartas antigas, bem acompanhada da minha taça de vinho quase vazia, enquanto o macarrão terminava de dourar no forno. Você sempre soube que nas sextas-feiras em que me recolho em casa, fico bem ocupada gastando meu tempo apenas comigo, mas ainda assim insistiu em ligar. Você sabia muito bem nós havíamos nos perdidos meses atrás, mas pagou para ver e me ligou.

Como bom taurino que é, você puxou uma conversa despretensiosa com essa voz de galã e me convidou para sair. Insinuou que meu vinho estaria melhor se eu estivesse acompanhada, e que o macarrão poderia esperar enquanto provávamos de um prazer físico e não do paladar. Confesso que eu ri. Eu tive que rir. Não sei se era o vinho ou o quão absurdo aquele convite parecia depois de tanto tempo.

Querido, eu sinto muito, não vou sair com você. Te confesso sem culpa alguma, que eu prefiro beber meu vinho sozinha.

Pode até parecer deprimente para você, uma vez que você adora uma plateia para tudo que faz e precisa de uma forma quase infantil que alguém segure sua mão, ou te acompanhe em devaneios superficiais, enquanto você finge que é capaz de manter uma relação real. Mas você não sabe o que é uma relação real, querido, você não sabe nem o que é um envolvimento emocional de qualidade, que dirá sincero. Eu poderia até perder meu tempo ocioso de sexta-feira à noite com você. Eu poderia até me permitir espantar o frio que veio com a chuva, me deleitando em seus braços e nos lençóis daquele motel conhecido, mas eu prefiro meu vinho. E eu prefiro bebê-lo sozinha. Não porque eu sou uma pessoa má. Não porque eu estou irritada com tudo o que aconteceu. É simplesmente porque eu prefiro qualquer outra coisa sozinha, do que gastar mais uma hora com você. Nada do que você possa me oferecer vai ser diferente o que eu já vi, e embora reler velhos livros sejam interessantes... romance barato só enrola que não conheceu Bukowski ou Caio. E bom, você sabe que eu me formei no mestrado em literatura, né?

E não, nem começa. Por favor. Nem adianta tentar me convencer. Não adianta falar que tá com saudade e que eu fiz falta durante esse período longe, porque eu sei querido, eu sei. É claro que fiz falta. Você também fez. Assim como meu gato que morreu envenenado faz. Assim como meu avô que morreu de velhice também faz. Assim como aquela sensação boba e gostosa do primeiro amor, que eu tive na escola, também faz. Mas ninguém morre de falta, meu amigo. Ninguém deixa de viver por isso. Por conta disso, então, eu prefiro beber meu vinho sozinha. E não vou sair com você. Nem hoje, nem amanhã e nem daqui um mês. Você sempre liga quando eu to ocupada demais com qualquer outra coisa, mas é sempre quando você não tem mais nada para fazer. E é uma pena que eu tenha que furar com você hoje e pro resto da vida... mas meu vinho não pode esperar. E nem o macarrão no forno. E nem a vida.

Você que espere, se assim desejar. Mas é melhor abrir uma garrafa de vinho, querido, porque vai demorar.