Eu não queria ser feminista. Sinceramente, não queria mesmo. Quem é que disse que eu gosto de ser feminista? Pelo amor de Deus, se toca. É cansativo, é difícil, é estressante e é um trabalho de plena desconstrução da minha criação machista para uma construção de uma nova criação igualitária. Você acha mesmo que eu gosto disso? De rever conceitos todos os dias? De ter que discutir com familiares machistas e agressivos? De ter que acordar mais cedo para pegar um lugar sentada no ônibus só para ninguém roçar em mim? Ter que usar calça debaixo de um calor fodido só porque se eu usar short os homens vão mexer comigo e até tentar me tocar? Sério, acha mesmo que eu gosto disso? Pare e pense. Reflita por um minuto. Eu odeio isso.

Sério. Odeio mesmo. Detesto. Nossa, quando usam o termo “feminista” eu até arrepio. Sabe porque? Porque eles usam no tom de deboche. Eles usam no tom de acusação, como se isso fosse um crime. Fosse uma blasfêmia, como se fosse pecado. Meu Deus, crucifiquem ela, ela é feminista! Você acha que eu gosto? Acha que eu gosto de dizer A e todo mundo entender B? Acha que eu gosto de ser desconstruída e ser reduzida apenas ao meu corpo e quando eu digo não a esse tipo de coisa sou chamada de louca? Acha que eu me sinto feliz com essa realidade? Pelo amor de Deus, é claro que não! Eu odeio. Pode acreditar, apesar de ser muito feminista, eu odeio ser feminista. Odeio ter que explicar que estou no meu curso ou no meu trabalho graças ao meu mérito e não porque sou bonita. Odeio ter que ouvir que tenho que pintar a raiz do cabelo porque moça direita não deixa a raiz aparecer. Odeio ter que escutar que se eu sair de saia e ser estuprada a culpa é minha. Detesto mesmo ter que ver noticiário de mulheres sendo mortas por seus parceiros e ouvir: “ah, mas ela deve ter feito algo para merecer isso”. Odeio ter que estudar duas vezes mais para ocupar o mesmo cargo que um homem. E ah, não posso me esquecer do clichê: odeio ter medo em tempo integral de andar na rua de manhã, a tarde e a noite. Odeio ter medo de pegar táxi sozinha, ser a última passageira do ônibus ou então ter que ficar até mais tarde na firma.

Ser feminista é estressante, cansativo e difícil. Ninguém pede por isso, cara. Ninguém quer isso.

Ou você acha que eu gosto de me pegar no meio de uma roda de amigos criticando uma outra mulher e perceber que eu caí no velho discurso de rivalidade feminina? Odeio esse vexame. Ou então, associar a felicidade há um marido ou um corpo magro e esbelto, porque sem os dois eu não serei socialmente aceita. Sem eles, não serei ninguém perante a sociedade. E Deus que me livre dizer que eu gosto de sexo, porque moça direita não gosta de sexo. Moça direita não fode. Só vagabunda fode. E os homens não namoram vagabundas, só moças direitas.. mas na cama eles querem uma vagabunda e não uma moça direita. Tá vendo? É tão confuso. Eu tenho que defender o meu direito de gostar de sexo e transar com quem eu quiser.. mas eu sou vagabunda por isso. E se eu resolver não transar e esperar a pessoa certa, serei taxada como antiquada e ridícula. Meus namorados irão me trair e dizer que a culpa é minha, pois não fodo como uma puta. Nossa, é tanta coisa. Não gosto mesmo de ser feminista. Porque eu tinha que me preocupar com isso né? É tão mais fácil quando você acata as ordens né? Mas as ordens de quem? Porque eu estou acatando as minhas e estou sendo julgada.

Sendo julgada porque não quero ser mãe. Sendo julgada porque sou mãe aos vinte. Sendo julgada porque resolvi trabalhar fora. Sendo julgada porque abri mão de tudo para ser mãe em tempo integral. Sendo julgada porque vivo minha sexualidade como quero. Sendo julgada porque eu digo não e não pode. Acha mesmo que gosto de ser feminista e passar por isso tudo? Querido, eu só queria viver minha vida e ler meus livros. Mas não posso. Não sem ser incomodada no ônibus, no metrô ou na balada. Não sem ter que explicar para o cara que me abordou que eu não quero ele “porque tenho namorado”, porque só um não, não basta. Não posso viajar sozinha sem o medo e a preocupação de que algo vá me acontecer, porque mulher desacompanhada é “presa fácil”. E eu nem sabia que a gente ainda viva na idade da pedra, mas vivemos. E eu odeio ser feminista. Não queria mesmo.

Não gosto de ter regras de belezas a seguir, ou expectativas irreais e pessoas colocando em xeque minhas opiniões só porque sou mulher. Porque essa é a justificativa sempre: porque eu sou mulher. Porque somos mulheres. Acha mesmo que eu gosto de ser feminista só porque sou mulher? Que eu tenha que temer tudo e todos? Refletir sobre tudo, me decepcionar com pessoas que eu tinha em alta estima? Acha mesmo que eu gosto de ouvir piadinhas? Que eu gosto de ser desmerecida no trabalho, dentro de casa ou dentro das minhas relações afetivas? Acha que eu gosto de perceber em mim mesma amarras tão fortemente engendradas pelo o machismo? Onde eu mesma respaldo e repito situações? Claro que não. Eu odeio isso. Isso me mata. Me irrita. Me condena. Eu fico louca.

Mas o que eu posso fazer, né? Eu sou feminista.

Mas eu não queria ser feminista. Opa, “ter que ser” feminista. Eu não gostaria mesmo de ter que ser feminista. Mas como preciso. Como tenho. Como existe causa, motivo e necessidade, serei até segunda ordem. Até que a igualdade seja realidade e o pré-conceito e o medo integral e cruel acabem. Até que a última de nós tenha seus direitos e opiniões respaldados e respeitados, eu serei. Até que a primeira de nós possa ir e vir sem temer, eu serei. Até que a paz, a igualdade e todo e qualquer dedo apontado, seguindo de um suspiro de deboche e uma piada sem graça sobre feministas acabem, eu serei. E eu sei que você também. Porque você também odeia ter que ser feminista, mas precisamos. E seremos. Todas juntas. E um dia espero, que todos juntos também.