Eu te avisei há semanas. Eu expliquei, esmiucei cada detalhe e te pedi que rompesse com tudo tão logo como começamos esse roteiro. Eu te avisei, querido. Te avisei para não largar suas coisas por aqui, porque você partiria muito rápido. Quando se agitou para sair, te pedi para trancar bem a porta. Gritei das escadas que era bom você ter certeza de que estava levando tudo, para não precisar voltar. Você não me escutou. Você, que sempre se achou tão dono de si, achou que estava certo. E tão logo como você partiu, ouvi batidas na porta. Nem precisei me virar para saber, seu cheiro entregou você antes que a chave virasse no trinco. Eu te avisei que tu voltaria.
Não adianta dar esse sorriso sem jeito, e entrar com cuidado para ver se eu vou gritar e te acusar de algo. Sinceramente, não ligo. A casa segue organizada, a bagunça é sempre interna e, no som, a música que nos embala continua tocando, assim como embalou tantos outros amores por aqui. Não adianta sentar no sofá como quem não tem intenção de ficar, pare de mentir. Pare de mentir para mim. Pare de enrolar para tirar o tênis e trocar a bermuda. Pare encarar o controle da televisão se perguntando se eu me incomodo com o fato de você querer mudar de filme. Com isso, não me incomodo. Mude, se você precisar, só me incomoda a tua falta de coragem e verdade, e o modo como você foge do que parece sentir. Eu te pedi que me escutasse logo no primeiro dia. Eu te avisei que você estava em zona proibida. Você fez pouco caso; homem não precisa de aviso, foi o que você me disse. Que pena, querido, porque você ignorou todos os que te dei, e veja só onde você está agora. Deitado no sofá da minha sala, tão à vontade como se meu coração fosse tua terra natal. É querido, eu te avisei que tu voltaria.
Você pode não querer escutar os avisos, e não te julgo por isso, mas insisto em dizer que a maneira como você olha pela janela só entrega que você está se agitando para sair pela porta novamente, como uma criança com medo de estar se encrencando demais. Espero que saia para não voltar mais e esteja certo da sua decisão. Espero que bata a porta com força, que jogue a chave fora e coloque um ponto final com essa tua voz doce e lábios rosados. Eu espero mesmo que você consiga romper comigo de uma vez por todas, caso contrário, já fica o aviso: logo mais tu volta. Meu sofá é tua terra santa, tua paz de fim de tarde, tua tábua de salvação. Meu quadril é teu inferno, minha pele é teu calor e meus braços são teu caixão. Preste atenção aos avisos, senão vai acabar pegando o retorno e batendo por aqui outra vez. Porque tu, querido, tu sempre volta. Eu já te avisei.