Não sei dizer quando me dei conta disso. Talvez tenha sido no meio da aula de história ou filosofia, eu não sei. O que eu sei é que o pensamento me apareceu, cortando-me feito um raio e eu percebi: eu ainda tô com muita raiva. Não só de você, querido, mas de mim também. Pelas inúmeras vezes que aceitei menos do que merecia, por ter sido tão permissiva diante de tantas violências simbólicas e a forma como rastejei por tão pouco a vida inteira. Também me enraivece lembrar da forma absurda como você sempre escolheu me tratar, como você sempre ia e voltava, e achava inúmeras besteiras sobre mim, embora nunca tivesse sido homem para assumir. Pergunto-me porque me apaixonei por um homem que não tinha nem culhões para assumir o que pensava ou sentia.

Eu achei que havia passado por cima disso tudo, que havia superado nossas divergências e entendido que o destino quis assim: cada um de nós em seu lugar e vida que segue. Mas percebo agora que o destino nos fez foi um grande favor separando-nos. Acho que ele pensou que estava tão doloroso encarar isso tudo, que era melhor colocar um ponto final. E até foi a melhor opção, mas não da forma como foi. Eu devia ter tido a chance de desopilar verdades na sua cara, gritado aos quatro ventos e externado todo meu nojo e ódio. E você tinha que ter sido homem o suficiente para ter vindo atrás de mim enquanto acreditava que poderia ter feito diferente, enquanto ainda significava algo para você. E não depois que o barco deixou o porto e eu segui viagem sozinha. Estes são os detalhes que me deixam irritadas demais para seguir em frente sem fechar a cara. Embora eu tenho entendido que nossa história acabou, eu ainda estou com muita raiva.

E mesmo depois de tanto tempo e eu tendo realmente esquecido todos os sentimentos amorosos que um dia senti por você, é agora que eu quero jogar coisas, cuspir verdades e externar todo e qualquer ódio ainda existente em meu ser por você ter sido tão babaca, e eu não ter percebido isso a tempo. Eu quero confessar as verdades dolorosas de todas as suas agressões e manipulações. Me irrita saber que eu tinha todas as informações e manhas necessárias para perceber as ciladas em que eu estava me metendo, me machucando veladamente cada vez que eu voltava para você e aceitava as meias-verdades que você me oferecia. Aprender a lidar com isso e a superar com dignidade tem sido a maior dificuldade dos últimos meses. Me dói sempre que eu lembro. E isso só me faz ter mais raiva.

Eu preciso mesmo superar. Mas só depois que a raiva passar.

Mas dessa vez, não vou represar nada. Eu vou encarar do jeito que der.