Meu desafeto por pessoas de exatas é algo que vem sendo cultivado ao longo dos anos e assumo, com vergonha, que a birra às vezes se estende além do normal, porque eu sou daquelas pessoas chatas-pra-caralho-com-gente-enjoada-e-metida. Vocês me entendem? Sabe aquele tipo de gente que se acha melhor só porque tem um cérebro capaz de calcular rapidamente que 4 vezes 4 é 16, que 16 vezes 87 é 1392 e que a raiz quadrada desse número é… Ok, eu nem sei se esse número tem uma raiz quadrada exata. O ponto é: eu não gostava de gente de exatas. Ao menos não até ele aparecer.

Ele, lê-se por aquele cara da aula de cálculo dois, que você insistiu em fazer para tentar entender alguma coisa além de semiótica e jornalismo investigativo. Ele, lê-se o cara de mecânica ou computação – o que você não sabe, porque o uniforme da engenharia é sempre o mesmo – que senta na segunda carteira de trás pra frente do laboratório M, do lado leste da faculdade. Eu não sou doida, sou de humanas e gravo bem os detalhes. O ponto é, mais uma vez, ele: O cara de exatas. Eu sei que sempre vai existir um cara de exatas. O seu pode ter aparecido a muito tempo, ou ainda vai aparecer. O meu apareceu na aula de teatro, acredita? Quando ele disse que era de exatas, torci meu nariz para o coitadinho, mas no segundo seguinte, quando ele fez uma piada citando Piaget, eu me apaixonei. Não que provavelmente eu não me apaixonasse pelos olhos verdes e 1.87 de altura, mas aquela risadinha leve de quem sabe que é inteligente, mas não se gaba por isso, me matou.

Confirmei isso tudo duas segundas depois, quando pedi ajuda com uma fração bem burra mesmo e ele puxou assunto sobre a apostila de semiótica. Falou sobre o que entendia – e ele entendia bastante – e me pediu para ajudá-lo a entender mais. Querido, te ajudo com qualquer coisa, a semiótica de nós dois é vamos nos beijar – ou algo do tipo. Santaella não ia me sacanear a ponto de não ser isso o óbvio. Mas tudo bem, piadas à parte, ele me foi apresentado por um grupo de amigos. Extremamente inteligente, com senso de humor, uma lábia gigantesca e aquela facilidade de te colocar em dúvida a qualquer segundo. O meu garoto de exatas me fazia questionar cada resposta, pergunta, palavra e justificativa. Mas nunca cheguei a uma conclusão. Normal das pessoas de humanas, não é? Sempre estarem abertas as imensas respostas que o universo tem para nos oferecer.

Nesse caso, e só nesse caso, a resposta mostrou-se para mim como um raio de sol, que dá um bom dia em uma quarta-feira comum, mas que reserva grandes acontecimentos. O meu garoto de exatas se mostrou extremamente o oposto do que o meu preconceito por amantes dos números me indicava. Nós tivemos inúmeros bons encontros, e inúmeros desencontros também. Não foi, nem de longe, uma relação tão tranquila quanto a soma de dois mais dois. Nosso relacionamento foi mais como um roteiro de seriado, cheio de altos e baixos que compõem as histórias de romances tórridos. Lembro-me de me pegar contando os dias e as horas, como uma apaixonada pela matemática, enquanto ele escrevia pequenos versos, como um romântico incurável. Durante esse nosso caso, eu jamais soube se ele confidenciou a alguém que estava apaixonado por alguém de humanas, já eu, fiz questão de ressaltar para todo mundo que eu estava sim apaixonada por alguém de exatas.

Alguém que, indo contra a todas as minhas expectativas, foi a melhor equação que eu poderia resolver. E nem foi difícil, para te falar a verdade. No entanto, como nem tudo na vida são flores, os romances, assim como as equações, podem nos fazer chorar, nos tirar do sério, nos levar ao extremo. No final das contas, nossa equação ficou sem resposta e nossa história, sem final. Ele continua sendo de exatas e eu, de humanas. Esse texto serve só pra reforçar que, por mais que eu ou ele não encontremos justificativas, ou uma conta que nos mostre o porquê desse desfecho sem explicação, ele continua sendo o meu cara de exatas. Sempre fomos um bom par, por essas e outras muitas coisas. Isso, equação nenhuma explica. Nem semiótica, nem Freud, nem minha pós em jornalismo investigativo.