Eu poderia começar mentindo. Poderia começar dizendo que a proposta de mestrado tem me deixado tão ocupada que eu não tenho tido tempo nem de hidratar os cabelos ou me preocupar em beber água durante o dia. Poderia dizer que estou orientando tantas pessoas no TCC que às vezes esqueço se é terça ou quinta. Poderia inventar mil coisas sobre como tô tão ocupada com um monte de outras coisas, que não posso ver você. Jamais diria que eu não quero, porque seria mentira. A verdade é que não posso mesmo. Desculpe, mas não podemos nos ver.
Não podemos nos ver porque eu não consigo pensar em três coisas diferentes para falar que não seja “eu te quero de volta” ou “eu sinto sua falta”. Não consigo te olhar e não dizer que eu to me arrastando de saudade. Não consigo me imaginar abrindo a boca e deixando sair quaisquer outras palavras, que não essas. E por mais romântico que essa ideia seja, eu não posso falar sobre isso. Eu não posso dizer essas coisas. Não adianta ligar perguntando se a gente pode se encontrar. Desculpe, mas não podemos nos ver.
Não conseguiríamos conversar por mais de dez minutos sem que o silêncio maçante invadisse a mesa e nos fizesse questionar porque diabos estamos ali. Não poderíamos se quer nos tocar, porque todas as outras vezes que isso aconteceu, nos terminamos juntos e agarrados feito dois adolescentes afobados. E não podemos, amor. Não podemos. Não podemos nos ver, não podemos nos falar, não podemos nem nos tocar. Eu não posso te ver porque não conseguiria mentir, e se eu mentisse iria me machucar. Eu não posso dizer outra coisa se não a verdade, e a verdade dói.
A verdade dói, e é a distância. A verdade é a ligação rompida, são as lembranças vazias. A verdade é aquela pedra no sapato que incomoda. É o que não pode ser dito. É o que tem que ser esquecido, dispensado. E eu não sei falar de outra coisa sem ser essa verdade. A verdade agarrada na garganta, pronta para ser proferida mas que não é mais bem-vinda. Por isso não podemos nos ver. Por isso, eu não quero nem pensar em te ver. Te encontrar para conversar é a ideia mais absurda que se apresenta nos dias atuais, e a cordialidade superficial que se espera não é nada mais do que estou com saudades, mas preciso te esquecer.
Desculpe, mas não podemos nos ver.