Ela acorda com o cabelo bagunçado, com a minha camisa solta no corpo e com aquele par de coxas em evidência. Eu levanto da cama, indo fazer café, e escuto ela gemer algo sem precisão, puxando a coberta. Ela sente minha ausência no colchão, mas não se importa. Quando se levanta, eu já tomei banho e me vesti. Passa por mim sem nem desejar um bom dia e chama toda a minha atenção quando adentra a cozinha, pegando sua caneca para o café.
Ninguém é sexy tomando café. Ninguém é sexy com a cara amassada, os olhos inchados e o humor de descaso enquanto um líquido quente queima a língua. Mas ela é. Pense em alguém com um rabo de cavalo frouxo, o rosto meio cansado e os olhos focados no jornal do dia anterior – porque eu não tive coragem de descer até o térreo para buscar o de hoje. O café queima a garganta dela, mas ela não liga. Parece inatingível. Nada a abala, nem a faz sangrar. Ela sabe que meus olhos estão sob ela, mas nem se dá ao trabalho de me encarar.
Quando ela me olha, sorri para o meu olhar carnívoro. Ela é realmente muito sexy tomando café. Ela me faz sentir um merda e, ao mesmo tempo, o cara. Quando ela sorri pra mim, agradecendo pelo o café e saindo sem nem olhar para trás assim que o sol entra pela janela. Do dia dela, eu não sei. Ela mata seus leões, briga com quem tem que brigar e eu imagino que ninguém no trabalho dela consiga ganhar uma discussão. Eu pelo menos não iria querer. Ela fica tão bonita irritada, que sou capaz de criar caso com uma formiga só pra ver essa mulher gritar. E ela grita. Na cama e fora dela, mas é o gemido, baixinho e abafado, que me tira a concentração durante o dia. O jeito como ela me encara, o modo como ela passa a mão nos cabelos e se agarra a mim. Toda aquela agressividade e leveza: ela é mais poesia do que mulher. A pele macia que tem, o modo como minhas mãos deslizam sobre corpo dela e a forma como ela deixa a cabeça cair pra trás, dando um sorriso sem rumo. Eu fico sem rumo. Balanço a cabeça tentando não pensar no gosto que ela tem. Esqueço. Ela adora beijar na boca, e eu amo beijar aquela boca também.
Quando o dia acaba, me arrasto pra casa com a impressão de que nem de longe enfrentei as mesmas batalhas, mas estou esgotado. Ela chega nervosa, joga a bolsa pela sala e deixa os saltos perto da porta. Abre a geladeira e pega uma cerveja. Já disse que ela é sexy tomando cerveja? É sexy vendo TV e deitada no sofá. É sexy no banho. É sexy até com o rosto afundado no travesseiro, me ignorando. E quando eu me aproximo dela no final do dia, puxando-a pela cintura, ela não grita. Não discute. Ela dá aquele sorriso sem rumo, que me deixa sem rumo. E me quebra. O gosto dela me atinge e eu me arrepio.
Opa, quase caio da cadeira.
Olho pra direita, com a caneca de café em mãos, e vejo aquela mulher que trabalha na mesa do lado da minha. Não tem minha camisa solta no corpo, e nem as coxas em evidência. O cabelo não tá bagunçado e ela não parece ter a pretensão de se deitar na minha cama. Mas o sorriso tá lá. Aquele sorriso sem rumo, que me deixa sem rumo. Eu tenho que reconhecer, amo a mulher errada.