Chama-se vodka de passagem, você vai gostar. Cada um inventa ou se apossa do ritual que funciona, e embora eu goste daquela cena dramática de fotos e cartas sendo queimadas na pia, eu precisei de algo mais forte dessa vez. Eu precisei de uma coisa que me desse a certeza de que tinha acabado. Eu sabia que eu passaria por perdas e danos. Previ que eu mesma tentaria retornar para velhos caminhos, insistiria em histórias fracassadas e me machucaria mais do que deveria. Eu sabia que eu erraria mais mil vezes. Eu tinha certeza que deixa-lo ir seria difícil e terrível. E doloroso. Deus, como seria doloroso. Ele era como uma música bacana que eu amava dançar… mas demorei a atender que dançar sozinha enquanto tocamos um show à dois é ruim. À muito ele não estava comigo nesse espetáculo e eu eu estava cansada. Cansada de dançar sozinha.

Foram anos juntos. E depois mais outros anos para terminar, brigar, voltar, brigar de novo e assim sucessivamente, enquanto dias e mais dias passavam e eu me perguntava porque eu ainda insistia em dançar aquela música batida de tanto tempo atrás. Me forcei a sair desse ciclo vicioso, e embora não confiasse em mim com você, eu segui em frente. Cortei os cabelos, viajei, mudei de curso, comecei e terminei outros relacionamentos. Bebia feito uma alcoólatra. Fiz novos amigos. Quebrei a cara várias vezes. E cada vez que eu voltava para você eu me perguntava até quando aquilo ia continuar, e porque eu continuava aceitando tão pouco por tudo aquilo que eu estava dando. No entanto, aos poucos e sem que eu percebesse, nosso nó foi se desatando. Pouco a pouco ele foi se afrouxando e os fios que nos prendiam iam cedendo e cedendo, até que apenas um fiapo de nó ficou juntinho. Com o tempo e a maturidade – que uma hora chega, acredite – eu comecei a ver que aquele pequeno nozinho era na verdade um laço. O laço discreto que havia nos unido lá trás, no começo de tudo. Eu custei a perceber que aquilo não passava de carinho, respeito e consideração, ele ainda parece ter suas dúvidas.

O tempo foi passando e nós aprendendo a conviver como duas pessoas normais que viveram toda uma vida juntos, mas não conseguem, não podem e nem querem mais dividir os dias. Eu estava tranquila e de coração em paz outra vez, quando em uma faxina na cozinha deparei-me com uma garrafa de vodka que levava seu nome, e me lembrei que em umas das inúmeras vezes que chorei com minhas amigas, comprei a vodka jurando que só a beberia quando enfim nos libertássemos desse sentimento sofrido e tudo que ainda nos unia de modo cruel. Meu raciocínio seria que o porre que viria com a vodka, marcaria a comemoração e o fim de todo esse sofrimento. Eu teria dois dias depois da bebedeira para me recuperar do porre e refletir sobre nós, mas com o passar da ressaca, eu saberia que você tinha partido de vez com ela. Olhando de fora, parece até mais dramático do que fotos e cartas queimando na pia da cozinha, mas acredite… a vodka não é tão poética, mas é mais eficaz. E eu precisava disso; nós precisávamos. Fazia tanto tempo desde que eu comprara aquela vodka… meus cabelos ainda batiam na cintura mas pela sorte de um bom Deus ela ainda não havia vencido. A nossa vodka de libertação, a minha vodka de passagem estava prontíssima para ser desfrutada, uma vez que nós havia, enfim, terminado pra nunca mais.

Não sei o que você pensa a respeito, mas eu não tinha muito o que decidir depois que terminei a faxina. Coloquei a vodka na geladeira, tomei um banho, me arrumei como se fosse meu casamento e chamei meus amigos, meu namorado, minha irmã e meu ex… que nem sabia que a vodka era a comemoração da libertação dele, mas bebeu com gosto e leveza, sabendo que no fundo no fundo no fundo, a gente não dava mais pé. E nem queria.

Feliz vodka de passagem, meu amor.