Não sei mesmo. Tudo quando se trata de nós dois é complicado, até o modo como você me olha. É como encarar um espelho, no final das contas: nossos olhos são iguais. Pretos, fundos, quietos. Me despertam uma sensação de que você sempre sabe o que estou pensando, e embora às vezes eu quase tenha a certeza disso, você não sabe. Ninguém sabe ou poderia saber, assim como eu também não sei o que se passa pela sua mente turva e fechada. Ninguém sabe dos detalhes. Ninguém sabe da parte que você fica me encarando depois do sexo, sem esperar nada ou precisar de algo. Ninguém sabe do silêncio. Ninguém sabe que você sorri, que você pisca, que você me morde e me beija. Ninguém sabe que você passa o nariz no meu, e eu beijo seu pescoço. Que eu beijo sua bochecha, seu ombro e sua boca. Eu beijo o gosto que você tem. Ninguém sabe da parte de que a gente ri mesmo, com entrega e com vontade. Ninguém sabe que a gente discute por besteira e se perdoa com um sorriso.

Eu não sei o que vou fazer, eu confesso. Porque passamos da ponte do “além da intimidade”. A gente está além, nós somos além e isso me assusta. Eu seria tola se não assumisse, e seria patética se deixasse isso nos limitar. Porque a gente só se expande, nunca se retrai. Conosco sempre há lugar para ir, mesmo sem um caminho ou rota específico. É como dispensar um mapa e confiar no extinto, afinal, é o que nós resta já que eu não sei o que vou fazer com tudo isso. Não sei o que vou fazer, porque por sermos diferentes, ninguém sabe de como você entrelaça os dedos nos meus, discretamente embaixo da mesa ou dentro do elevador. Ou de como sua mão sempre pousa na minha perna, joelho e coxa no meio de uma conversa. Ninguém sabe da parte que eu procuro seu ombro para encostar o rosto quando me sinto perdida ou cansada, ou então, que procuro teus olhos quando preciso comunicar algo sem usar as palavras. A gente se atrai até quando não quer. Está vendo porque isso tudo é complicado? Está vendo porque ninguém sabe ou entende? Todo mundo cogita, é claro. Todo mundo tem opinião para dar, repleta de achismos ou falsas noções. E eles até podem pensar que sabem, mas não sabem. Ninguém sabe do que acontece quando a gente resolve se afogar um no outro. Ninguém sabe de detalhes íntimos revelados a dois. O que eles sabem pode ser classificado como a ponta do iceberg comparado a coletânea de informações e segredos que dividimos e criamos.

Sabem da parte que a gente se bate, se pega, se beija, mas que não passa disso. Sabem que acabou, que a gente sorri um pro outro como melhores amigos ainda e lutando contra o óbvio. E que esse papo de que a gente devia sair pra beber um dia desses, é exatamente isso. Sair pra beber. Só isso. Nada mais. Nunca mais. Eles sabem de como você foge de relacionamentos, e de como eu estou meia louca e solta no mundo. Sabem que você é doido e eu sou temperamental. Sabem disso, é claro que eles sabem. Somos como um espelhos, mesmos olhos mas com almas diferentes. Eu não sei o que vou fazer com eles. Eles sorriem para nós, compactuando com nosso teatro bem ensaiado. Dando corda, entendendo. Fazendo vista grossa e concordando. E embora toda essa distância implícita entre nós me irrite, me magoe, me quebre toda e me faça te odiar, eu sei que é o melhor desfecho para nós dois. Você me acalma me deixando nervosa, e isso não pode ser normal. Não pode ser bom. E não é, porque você não é bom. Sabemos disso. Eu. Você. Todo mundo. Isso é o que eles sabem, isso é a verdade e o fim que precisamos. Por um segundo eu penso que sei o que devo fazer.