Nunca entendi a necessidade dela de combinar as cortinas com os livros na estante, ou porque ela sempre deixava a torrada queimar um pouco além da conta e depois ficava meio irritada de ter que tirar as sobras queimadas com a faca. Vou te confessar, que não entendia porque Los Hermanos e Bon Jovi estavam na mesma categoria de músicas para academia, assim como porque ela odiava o Homem-Aranha. Ela possuía detalhes muito próprios sobre si mesma, que por inúmeras vezes não fez questão de explicar. Nada tirava a paz dela, exceto quando mexiam na coleção imensa que ela tinha de canecas. Eram de todos os tipos, modelos e cores. Nunca soube realmente o que permeava o coração dela, só que ela amava canecas. Café e canecas. E mais ainda, cafés em suas próprias canecas.

Todo dia de manhã, ainda com o rosto inchado e os cabelos presos em um rabo de cavalo, ela preparava o próprio café, cantando baixinho. Depois – quando aquele cheirinho que sempre me fazia sorrir – ela abria a porta da prateleira de canecas e escolhia com muito afinco e calma, qual seria a escolha da vez. Ela costumava tomar café em canecas escuras as segundas, e no meio da semana escolhia alguma com um desenho. Se ela estava animada, canecas com flores. Se ela estava irritada, ela bebia na café na caneca do Darth Vader e eu sabia que era melhor não mexer com ela. Nos dias introspectivos, ela preferia canecas com textos ou recados. Ela nunca foi de falar muito pela manhã, assim como preferia o silêncio dos nossos beijos e gemidos pela madrugada, mas aprendi a lê-la por suas canecas. Assisti-la se perder pelo a vasta coleção de canecas me fazia acreditar no que disse Manoel Bandeira: “a poesia está em tudo – tanto nos amores quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas”, assim como estava em suas canecas e no modo como ela ficava na ponta dos pés para alcançar as prateleiras mais altas.

Minha mulher amava canecas, e eu a amava. Nunca tive preferência por cores ou modelos, ou detalhes sórdidos e poéticos sobre minha personalidade, exceto como eu parecia sempre um adolescente ao vê-la cruzar da sala pelo o corredor, ou da cozinha para seu escritório – sempre segurando uma caneca. Não me importava o pijama, a cor da calça ou se ela estava de salto alto ou não. A segurança que a caneca de café me dava, era a certeza de que outro dia se revelava e ela estava lá comigo. Tranquila e com sono, amando o silêncio e a necessidade de tomar café. Ela nunca me deixou usar suas canecas, e eu sempre preferia sentia o gosto do café nos lábios dela, doce e quente. Apaixonado. Ela amava canecas, e eu amava a coleção de momentos com ela.