Vou sentir falta, é claro.
Vou sentir falta da disputa silenciosa por quem troca o sabonete e a pasta de dentes, mesmo eles estando embaixo da pia do banheiro.
Vou sentir falta de reclamar dos seus ratos e do cheiro misterioso do gás. De você brincando com a casa e estragando (e consertando, ok) a descarga e a maçaneta.
Vou sentir falta de você consertar tudo. E isso é material, mas também abstrato.
Vou sentir falta de brigar por quem aguenta mais tempo com a louça na pia e da implicância de deixar o garfo usado pelo outro. E de esconder o copo de cada um no quarto.
Vou sentir falta de brigar pelo chá gelado. E de você comer minha comida.
Vou sentir falta do cheiro de amaciante na casa com você lavando nossas roupas. Porque se não fosse você eu não lavaria mesmo com tanta frequência, muito menos dobraria, coisa que nunca fiz.
Vou sentir falta de você comprar antimofo pra mim, mesmo eu sendo tão desligada e relapsa a ponto de colocar no armário sem abrir. E de isso ser só mais um motivo pra rirmos juntos.
Vou sentir falta do dilema na hora do almoço, cada um querendo ir pra um lugar, e nenhum dos dois gostando de nada.
Vou sentir falta dos mil emojis nas mensagens e dos planos mirabolantes de bandas só para baixinhos e de enfiar "prolapso" nas conversas.
Vou sentir falta de "dar crise de ciúme" fingindo seriedade e você me fazer rir, porque me conhece e sabe que sempre fomos mais do que isso.
Vou sentir falta de começar a brigar contigo do nada e você me fazer cair na gargalhada. E de cair na gargalhada por várias coisas idiotas. Afinal, a culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser. Geralmente, em você "mermo".
Vou sentir falta de perdermos o sono de madrugada (tão raro...) e ficarmos trabalhando ou rindo de idiotices, ou na maioria das vezes as duas coisas.
Vou sentir falta da nossa parceria pra sair de tretas. E de você ter ficado do meu lado em situações em que nem eu mesma fiquei.
Vou sentir falta de poder falar tudo pra você e também de não precisar falar nada, porque conviver comigo te fez virar também "pai de santo". E, embora eu não assuma, viver contigo me fez "diagnosticar" todo mundo.
Vou sentir falta de você pegando água pra mim de madrugada tenso por me ouvir no banheiro vomitando de nervoso. E de você sentir todos os sintomas de todas as doenças, até da minha menstruação, que nem eu sinto. "Me diz os sintomas, porque já tô sentindo tudo, assim eu excluo alguns." E de você dizendo que seu coração fica dez minutos sem bater. E preocupado porque sou hipocondríaca e vou anualmente ao hospital com "apendicite". E "sentindo apendicite" junto, é claro.
Vou sentir falta de crushar as pessoas na rua na maior cara de pau, enquanto você nem mexe o olho e já viu tudo a nosso redor e me mostra uma bunda que eu ainda não tinha visto. Ah, a discrição capricorniana. Vou bem sentir falta. Quem vai equilibrar meus olhares espalhafatosos? Me fala.
Vou sentir falta de nós dois rindo no meio da rua em Teresópolis por causa daquele cara (quem foi mesmo?) lá da Bíblia que andou sobre as águas; rindo em Mendes em um balanço. Rindo.
Vou sentir falta de um reclamando pro outro que "só eu compro peito de peru e pão" e da birra em não comprar, mas não deixar faltar aquele brownie da madrugada ou o almoço de domingo que acaba apodrecendo na geladeira. (O brigadeiro que fiz quando mudamos está lá até hoje, desconfio... higiene e bons hábitos sempre!)
Vou sentir falta das conversas pelo espelho enquanto tomo banho. De tudo. Das reflexivas, das lembranças do passado compartilhadas, das contas que nos lembramos de pagar, do riso frouxo. De você dizendo o quanto sou estranha por entrar no box de óculos ou lavar o cabelo de cabeça pra baixo. De reclamar dos seus cabelos na pia.
Vou sentir falta de ter ficado com "cu tímido" perto de você por meses, de ir pro banheiro nos fundos do apartamento e você fazendo peripécias pra eu não te ouvir fazendo as necessidades. E principalmente da sua reação de morte ao ler que escrevi isso em uma página pública.
Vou sentir falta de te mostrar minha depilação zoada e a gente rir disso, também. E de você reclamando "que tipo de pessoa tá na sala conversando e do nada vai no banheiro raspar pelos".
Vou sentir falta de você ajeitar as coisas sem eu ver pra eu não te achar muito metódico e insano, mesmo sabendo o quanto amo esse tipo de coisa.
Vou sentir falta de reclamar de você colocar azeite na roupa, mas eu passar no seu cabelo. Vou sentir falta de dividir truques e cosméticos de cabelo com você. E de tomarmos aquele Pantogar que desistimos e tá há meses na cozinha. (Acho que vou aproveitar e tomar um agora, inclusive.)
Vou sentir falta de você brigando pra eu parar de trabalhar pra você poder varrer o meu quarto, de você colocar meu pole mesmo comigo em outro estado, de você querer ajeitar tudo pra mim. E de nós dois montando e dando nossa cara "trevosa" à casa. "Pole na sala e cabelos misturados, pretos e não tão pretos, espalhados pelo chão." E convidando amigos e depois reclamando porque somos iguais em precisar ficar sozinhos no nosso sacro espaço.
Vou sentir falta de termos ficado sem pentear os cabelos. (A sociedade que não deve sentir muita falta desse momento icônico...)
Vou sentir falta dos shows. Eu reclamando que você atrasa e quer conversar no meio da minha música preferida. Nós dois rindo "loucões" depois de meia caipirinha. E você preocupado por eu querer me atirar do elevado do Aterro. E falar pra você correr pra não sermos assaltados.
Vou sentir falta de sempre termos uma história engraçada/zoeira pra contar pros outros sobre nós dois.
Vou sentir falta de pegar Uber e quase sempre ter uma aventura. Ir parar na Maré (e nem aproveitar o baile funk, fracos!) ou eu ter um "pressentimento" e pegarmos outro. (Uma digressão: obrigada por entender e me apoiar nessas minhas maluquices. Eu vou sentir muita falta, e chorei um cadinho escrevendo essa parte, mas finge que não leu isso, ok?)
Vou sentir falta da sua sensibilidade pros meus textos. Todos eles. E de compartilharmos nosso gosto musical podre. Nosso ódio pela mesma música que toca aqui perto sem parar (senta um pouquinho!) e nosso amor pelas mais diversas breguices (Jane & Herondy na feira de São Cristóvão <3).
Vou sentir falta da nossa fuleiragem de querer fazer perfil de casal, andar de roupa igual ou colocar cadeado na ponte e outras besteiras que nunca fizemos nem faremos. E por isso eu coloquei esse aqui da foto, bem perto da nossa casa. Não tem nosso nome, mas nos representa, tanto nas nossas diferenças quanto na nossa paixão #sqn por Legião. É isso, parecidos nas nossas discrepâncias.
Vou sentir falta de implicarmos um com o outro, eu falando que você não trabalha, só "joga joguinho" o dia inteiro, e você falando que eu trabalho menos ainda, só "lendo livrinho" o tempo todo. E de, sendo opostos, em programar e traduzir, no final das contas nós dois lidarmos com linguagem, "buildando-as", impactados, fazendo a egípcia. Odiando make senses, it's about e outros "cacos" de tradução. Programando horrores em HTML.
Vou sentir falta de você reclamar que não baixo imagem, áudio nem vídeo de ninguém, e se vingar fazendo o mesmo comigo com meus pdfs das mil coisas caóticas que escrevo.
Vou sentir falta das voltas de bicicleta na Lagoa e das idas à praia regadas a caipirinhas duvidosas, mas principalmente das idas de madrugada ao Mcdonald's para, chatos que somos, comer sempre a mesma coisa. Mas me orgulho de ter te viciado em tortinha de maçã. E de ver você falando "com todo o respeito", igual a mim. E de abreviar coisas só com consoantes, igual a você.
Vou sentir falta de reclamar que você só dorme, mas quando tenho/temos um compromisso cedo ser sempre você que me acorda.
Vou sentir falta de você implicar comigo dizendo que sou cirandeira-abdução-bambolê, mas fazer o que se você tem razão? Você, como bom capricorniano, sempre tem razão. E eu queria que isso fosse só pra te agradar, mas não é. (Aposto que foi a parte que mais gostou do texto, vai emoldurar e tudo.)
Vou sentir falta de ser pagodeira-sertanejeira-brega ao extremo-quartinho todo rosa, mas só trabalhar ouvindo metal, e você, cabelão-só veste preto-do malzão-exalando trevas-666, chegar em casa pedindo pra eu pausar Kreator porque quer ouvir Soweto.
Vou sentir falta de reclamar que você me faz ser fumante passiva, mas quando fico nervosa pedir seu cigarro.
Vou sentir falta de, mesmo nas nossas muitas diferenças, sempre acabarmos nos entendendo, na maioria das vezes sentados na sua cama. (Acho que meu quarto é o antro do desentendimento haha!)
Vou sentir falta até de encontrarmos dementadores no caminho. É, eu vou. Pelo nosso jeito de lidar e nos livrar de tudo isso, porque são essas coisas que nos fazem reais.
Vou sentir mais falta ainda das mil vezes que usei "reclamar" e variações nesse texto, o que só reflete o quanto nós dois somos insuportáveis e justamente por isso damos certo.
Vou sentir falta, eu vou sentir falta pra caralho. Mas temos que ir de alma leve para onde os ventos nos levam. E fazer até dos fragmentos, exílios e nomadismos nossa casa. Mesmo sabendo que, do meu jeito bem torto - e só por isso você gosta, eu sei -, minha casa em muitos sentidos vai ficar aqui guardada, por um dia, tão apátrida que sou, ter sido você.
Vou sentir falta, é claro.