Como era de costume, estávamos na parte frontal da nossa humilde residência, nunca me faltava um jornal enquanto estivesse sentado na cadeira a relaxar, ela preferia estar sentada nos degraus da pequena escada, meditando sobre coisas que nunca me atrevi a questionar...

E, de repente o sereno fez-se presente...

“Não devemos preocupar-nos, é apenas sereno” – disse em voz alta na tentativa de chamar a atenção de Rossana, mas, ela parecia estar no seu mais profundo pensamento.

Deixou de ser um simples sereno, intensificou-se, já era chuva, as gotas d’agua atingiam-nos, molhando nossas vestes, levantei pronto a abrigar-me dentro de casa, mas, ao que parecia ela não tinha notado a presença da chuva ou talvez não era preocupante... continuava com os pensamentos grudados num lugar qualquer.

“Precisamos entrar, antes que fiquemos molhados” – disse segurando sua mão para que ela notasse a minha preocupação.

Olhou para mim assustada sem proferir sequer uma palavra levantou-se, e, finalmente entramos.

“Ela sempre foi meditativa, mas hoje está estranha demais!” – refleti enquanto acendia os candeeiros... Pouco tempo depois guardei o jornal e preferi sentar-me no sofá.

“Estar cá dentro é bem melhor que estar lá fora isolado, sem abrigo, ao relento... Deus me livre!” – e depois de tanto tempo proferiu essas palavras abraçando a si mesma de forma insegura, afastou-se da janela, fechando as cortinas, não de forma brusca, mas ao que parecia, culpava-se de alguma coisa, por isso voltou a abri-las.

Falava sozinha, e pouco tempo depois calava, e nos momentos em que não recitava sequer uma palavra ficava defronte à janela envidrada a observar as pessoas que passavam apressadas fugindo da chuva... era notório pelos passos apressados e pelas vozes.

“Mas, se era melhor estar dentro de casa, agasalhado, qual seria o motivo de tamanha meditação?” – refleti!

E o vento foi soprando mais forte, ela tomou um enorme susto e colocou as mãos sobre a cabeça, como se algo de errado tivese ocorrido, nesse instante não pude conter-me, deixei de observa-la apenas, fui abraça-la na esperança de que fosse apenas o medo causado pelo barulho provocado pelo vento, ela abraçou-me de volta e pôs-se a chorar amargamente... tentei afastá-la para poder olhar em seus olhos e perceber o porquê de tanto drama, olhou-me fixamente e disse: – Dói-me ver um ser sem abrigo!Voltou a abraçar-me...

Indagado pedi para que ela fosse mais clara. Olhou-me novamente, com um sorriso entristecido, limpando as lágrimas vergonhosamente, segurou minha mão, levou-me até à janela, apontou na direção de alguns objetos espalhados, de certeza que eram chapas amontoadas de forma triangular, e disse: – Amor, sei que és alérgico a cães, mas não podmos deixar aquele morrer!

Fiquei um tempo a refletir sobre o que ela tinha estado a pensar, e sinceramente foi inesperado quando me apercebi que ela se sentiu imensamente comovida ao ver um animal sem abrigo, deixou-me comovido de igual modo e acabei concedendo o seu desejo.