Mandaram-me não transbordar.
Desculpa, vida, eu transbordei. Entornei pra lá. Entornei saudade, entornei cachaça, entornei amor e até umas verdades para quem não queria escutar. Não sei ser como essa gente que ama e depois não ama, que briga e separa, que odeia do nada. Não sei ser feito essa gente carente de carne, que não se envolve, que não se apega. Não sei ser essa gente que só sabe o caminho do quarto à porta. Querido, não sei ficar se não for tomar um café, se não for ter conversa boa de manhã, se não for ter massagem nos pés.
Não sei ficar se não for poder cozinhar na sua cozinha. Se não for poder te ensinar a ouvir música de qualidade ou te ouvir dizer que não entende como alguém consegue ler tanto. Querido, não sei ser de outro jeito, sem ser de verdade. Sem ser farta de carne e sangue, com um aperto tão forte quanto um nó, mas que, na verdade, é laço.
A vida é tão mesquinha, tão barata, que eu me recuso a aceitar que o amor não seja caro. Tem que ser caro. É caro, e gente tem que pagar caro mesmo. Porque se não for assim, ninguém dá valor. Ninguém aceita, ninguém oferece. Mas não quer dizer que, por ser caro, você tem que evitar. Não quer dizer que pelo preço ser alto, você não tem que pagar. É por isso que eu transbordo; não sei ser de outro jeito. Não sei jogar se a aposta não for alta, não aceito propostas abaixo da média. Mediocridade, aceita quem se valoriza pouco e aqui, querido, você já deve ter entendido que tudo se trata de muito.