Era só mais uma sexta-feira, dessas que o céu tá estrelado e o coração apertado, apertadinho... Na batida de sempre, meu amigo chegou e gingou de um lado para o outro, cumprimentando a todos com seu tradicional sorriso e olhar de malandragem.

- Grandão, comé que tá esse malandro ai?

Foi com essa pergunta que minha cabeça entrou em todo tipo de looping diferente. Nunca tinha entrou na minha cabeça como poderia ser a malandragem uma forma de vida que não significasse que sempre alguém passava a frente de outro. Foi ali que começou a conversa que mudou minha vida.

Nunca fui dos que julgaram, mas ali, parado, não tinha como fazer entrar na cabeça. Até que fui surpreendido, entre um cambaleio aqui, uma gingada ali e uma sambinha pra lá, me vi sozinho e de frente com uma figura boêmia. E eu, que tanto fui acostumado a ensinar e conversar nessas mesas de bar por aí, aprendi com alguém bem mais sagaz que eu:

- "Cê tá cum medo de botá pra fora essa malandragem aí? Sê malandro é bão demais!" - E antes que eu conseguisse terminar, emendou o que tinha pra falar.

- Esse pessoal do mundão aí, tem sámania de lamentá, abaixa cabeça pra tudo, não dá certo isso, não dá certo aquilo, rabo de saia não consegue arrumá perná de calça, perná de calça não consegue arrumá rabo de saia. Pessoal daquí tem mania de culpá todo menos sí mesmo. Um tempo tão formoso, luminoso, estrelado, e tem gente que nem levanta cabeçadô pra vê como tá formoso esse céu. É mais fácil botá culpa por dá tudo errado no papaco, mamaco, rabo de saia, perna de calça, mas nunca dá pra bota culpa na gente, né? Essa vida é tão curta pra lamentá.

- Esse pessoal do mundão aí, tem sámania de lamentá, abaixa cabeça pra tudo, não dá certo isso, não dá certo aquilo, rabo de saia não consegue arrumá perná de calça, perná de calça não consegue arrumá rabo de saia. Pessoal daquí tem mania de culpá todo menos sí mesmo. Um tempo tão formoso, luminoso, estrelado, e tem gente que nem levanta cabeçadô pra vê como tá formoso esse céu. É mais fácil botá culpa por dá tudo errado no papaco, mamaco, rabo de saia, perna de calça, mas nunca dá pra bota culpa na gente, né? Essa vida é tão curta pra lamentá.

A gente faz ser invisível aos olhos o que é essencial.

A gente acaba não pensando muito quando é botado de costas no muro, e eu fiquei ali sem reação, tomando tapa e mais tapa que vinham como conforto e vontade de chorar... [lembrete pessoal a mim, próxima vez providenciar um lenço na próxima conversa]

E continuou...

- Sabe comé que é o nome de quem sabe viver a vida? M A L A N D R O, salve essa malandragem que bota um sorriso no cara e sabe vivê como ninguem a vida, ama quando tem que ama, bébe quando tem que bebê, faz bem quando tem que fazê bem, usa a luz pra usar a luz, usa a treva pra mostrá o tão forte é essa luz. Sê malandro é saber dançá igual a vida qué que a gente dança, é gingar formoso quando tem que gingar, fechá a boca quando tem que fechá e fazê da alegria um bebedô bem gostoso que a gente bebe sem fazê cara feia.

Talvez esse seja um daqueles muitos textos que a gente lê com a espera de um final feliz, ou até mesmo ansioso por ler alguma coisa que nos conforte. Não tem conforto, tem realidade nua e crua que se choca contra nosso peito numa força surreal. Mas no fundo todo mundo precisa desse choque, hora vindo da vida, hora vindo dos escolhidos e encarregados de passar esse recado nem que seja na marra.

Eu juro pra você que uma vez eu tava andando numa rua escura e ouvi "É seu Zé que tá chegando, ó seu Zé que chegou, eita Zé que arretado. Oxalá que te mandou!", mas talvez seja só efeito da bebida.

Nunca tentei descobrir como era esse tal malandro que topei por aí, mas sinto que trombo com ele a cada esquina que passo, de vez em quando me pego enchendo o copo e brindando em homenagem aquele bebedô que desce geladinho.