Dias desses, olhando essas paredes lousa que já saíram de moda, me veio você. Eu me lembrei de quando nós dois tentamos fazer uma naquele conjugado alugado minúsculo na praia do Flamengo, tão nosso, e acabamos sujos, suados e com falta de ar daquele cheiro insuportável.

E então rimos.

A casa estava de pernas pro ar com nossa mudança recém-feita. E tinha algum resto de macarrão seco do dia anterior na panela, em cima do fogão.

Eu diria que só nos preocupamos com a cama, mas estaria mentindo. Nós largamos o colchão perto da janela, e não nos importávamos muito com nada além de criar juntos. Nossas esculturas, quadros, seus negativos de fotos pendurados naquele varal improvisado.

Eu comecei a me perguntar em que momento nós dois deixamos de ser.

Em que momento aquela magia que sentíamos só por estar juntos se transformou em brigas pelos motivos mais esdrúxulos, a embalagem de biscoito aberta, o pote mal fechado na geladeira.

Ligabue tinha razão quando cantou que "por mais que puxe, você sabe que a coberta é curta". Apesar de literal, isso é também a melhor metáfora para os relacionamentos.

Em que momento aquelas suas manias, que antes botavam cor nos meus dias, tão cinzas, começaram a pesar e se tornar insuportáveis?

Aquela parede lousa me deu saudade de você. Sim, saudade mesmo, o buraco negro da ausência. E me fez pensar em como tendemos a amplificar picuinhas e ir deixando as coisas boas se apagarem de um jeito tão fácil e rápido. Como às vezes cultivamos as coisas ruins, enquanto as boas é que deveriam ser regadas.

Eu sorri, sabia? Sorri porque, apesar de tudo, as lembranças boas de repente me invadiram. E sorri chorando, porque me veio aquele choro das constatações, aquele choro de quem tem um estalo e percebe que a felicidade tá batendo na porta, mas tava ocupado demais se lamentando pra conseguir ouvir.

Será que se eu nunca mais deixar a tampa do vaso levantada você volta?