A vida acontece a minha volta. Qualquer um perceberia isso. É no ônibus, na escola, na casa da minha tia, da minha avó, no hospital, na rua. A vida acontece ao redor de mim e pareço estar em câmera lenta. Eu percebo tudo. A mentira, a confusão, o peso dos condicionamentos sociais, a pressão da família, o assédio masculino, o medo das mulheres, a duvida sobre a morte. Eu vejo tudo.
Percebo, mesmo que superficialmente, que ninguém sabe onde vai. A gente só segue. Acorda e encara o mundo da forma que acha que deve. Chega ao fim do dia com arranhões e acha que é assim mesmo. Convive com a ansiedade e o desespero e acredita que é o certo. Todo mundo vive e não para, e acha que tem que ser assim.
Percebo a morte próxima. O capitalismo exigindo mais do que podemos, a terra dando sinais de colapso e todo mundo deixando a terra árida, devastada e infértil. E todo mundo segue partindo daqui: as plantas, os animais, os bons homens...
Punimos uns aos outros com medo de que nos punam primeiro. E assim vivemos, sem saber viver de verdade, sem sentir. Sem perceber essas amarras e condicionamentos velados, que são como jaulas que além de nos limitar nos afastam. Seguimos sem saber como fazer, e desse jeito acaba o sentimento: a vida, a leveza e a inspiração. Assim entregamos nossa sanidade. E eu nem sei porque. E nem pra quem. Afinal, quem nos disse que é assim que a vida tem que ser?
Percebo a vida acontecendo a minha volta e eu não consigo me entrosar. Talvez porque eu não saiba acelerar da forma como preciso, ou porque morri. Talvez eu tenho morrido pra acordar. E enfim viver de verdade, desperta, enxergando minhas jaulas e os demônios que ditam como devo viver ou o que sentir. Agora eu posso viver. Sozinha pelo o que parece, mas consciente. Sentindo. Temendo. Amando. E perdendo. O medo. A insegurança, a ilusão.