Tava um enredo chato de viver. Todo dia era uma luta, e não uma luta poética e necessária, mas uma luta sofrida e recheada de carapuças de vitimismo e desculpas ridículas, que me traziam frustrações mas também uma tranquilidade e conforto por continuar onde eu estava. Tava um enredo chato de viver, pelo amor de Deus. Por fim, restou-me a sensação de vazio e o desespero necessário da mudança. Eu precisava mudar.
Por isso, amor, eu precisei ressurgir das cinzas. Embora a zona de conforto me trouxesse paz e tranquilidade, eu comecei a definhar no meio disso tudo. Claro que tudo foi abafado pela rotina corrida e feliz, e quando dei por mim eu já estava desfeita em cinzas e madeiras crepitando. Eu poderia deixar pra lá, e continuar desfeita no meio de todo aquele calor... mas tava chato de viver. Então eu resolvi sair dali. Toda machucada, queimada, marcada por erros que não eram meus e por decisões que foram sim minhas. No fim, saí do fogo tão diferente de quem eu costumava ser, mas enfim sai. Eu sai do lugar para ir em busca não só do que eu queria mas também do que eu precisava. Bater as asas pela primeira vez depois de tudo me deu medo, mas encheu meu peito de um oxigênio puro.
Os primeiros dias foram insuportáveis. Eu ainda vibrava internamente um monte de desculpas e situações que tentavam e tentavam me puxar para trás. No entanto, no final do primeiro mês eu já era outra. No final do primeiro mês eu já conhecia o reflexo que eu vi no espelho, eu conseguia ouvir meus sonhos cantando em meu ouvido e já reparava as marcas que eu deixava pelo o chão. No final do primeiro mês eu já era eu de novo. E aí a vida deixou de ser chata de viver, e voltou a ser foda de viver. Não um foda ruim, mas um foda foda. Um foda com raça e vontade. Um foda com prazer.
No entanto, caí outra vez. Peguei-me mais fraca do que imaginava, e o limbo chegou. Foram momentos difícieis, e confesso que ainda segue sendo. Se redescobrir depois de um grande trauma é uma tarefa difícil, e dolorosa. O reflexo no espelho ainda é o mesmo, mas os gostos não. E nem as vontades, opiniões ou motivações. Ainda me sinto perdida, seca, confusa. O fato de ainda ser eu não quer dizer que eu me sinta assim, e isso é tão díficil.
Portanto, embora o caminho ainda seja longo e eu esteja longe de parar ou aportar, eu sei que naquele dia eu ressurgi e vou continuar ressugindo das cinzas quantas vezes precisar. Sei que morrerei outras vezes. Sei que a ansiedade vai me fazer pensar que morri, mas vou viver outra vez. A mudança é constante, como uma fruta que espera o momento certo para madurar e enfim poder cair do pé. Do que virá, eu não sei, mas quem eu era... partiu. Eu ressurgi das cinzas outra vez, e sigo ressurgindo e me descobrindo dentro de mim mesma. Porque a vida é um eterno renascimento em si mesmo e nas certezas que tanto esmeramos.