Ontem um amigo veio me perguntar por que meus textos não têm mais alma.

Respondi com indignação, perguntando o que ele queria insinuar com isso.

Ele riu da minha reação tão óbvia, já esperada, e veio naquela tentativa de me consolar: Seus textos continuam ótimos, eles só perderam a alma.

Eu queria me defender, é claro. Mas eu não podia. Eu sabia que ele estava certo. Há muito tempo, meus textos estavam completamente vazios. Eram só palavras estrategicamente escolhidas e muito bem arrumadas. Mas alma? Ah, não mesmo.

Um texto tem alma quando você escreve ele fervendo. De um fôlego, por necessidade. Quando ele é mais revelador do que você intenciona, quando ele é mais profundo do que você percebe.

E eu sabia que eu sido derrotada na minha própria arena.

A culpa é sua.

Meus melhores textos eram você. Uma simples erguida diferente de sobrancelha já me rendia páginas e páginas, e eu poderia ter reescrito a literatura mundial no seu corpo. Facilmente.

Mas é aí que reside o paradoxo da maldade do tempo. O tempo levou a inspiração aconchegante dos textos inflamados. O tempo levou você.

Triste constatar que essa bênção, que é você se livrar de um não amor, também tem sua contraparte ruim. Você foi embora de mim, e me secou em consequência.

Eu não te amo mais, mas ainda não sei se isso é bom. No processo, eu me perdi um pouco de mim.

Eu nadava por essas ondas incertas, sentindo a força da correnteza, nesse alto-mar traiçoeiro de tempestades inesperadas. E agora estou em terra firme. Sem saber se essa proteção que é não sentir produz arte.

Talvez esse sol que agora nasce vá me mostrar novos dias e novos ares. Talvez eu volte a encontrar inspiração, em outras esquinas, em outras ausências, em outras ebulições.

Adeus.