Encaro a caixa de cartas, quieta e resoluta, com a sensação de que as inúmeras palavras escritas e não faladas lutam por entre os envelopes tentando chegar até você. Tentando falar com você. Eu poderia me livrar delas, assim como me livrei dos caminhos que poderiam ter unido nos dois, e confesso, tentei mas eu não consegui. Me desfazer desses versos seria assumir que falhamos em ficar juntos, e mais ainda, que eu falhei com as palavras. Logo eu, que sempre as amei. Logo eu, que sempre tentei usá-las direito. Ao longo dos anos escrevi para você toda vez que quis me confessar contigo como me confessaria a um padre, mas não tive coragem. São tantas cartas, tantos envelopes.. uma caixa grande e funda, cheia delas. As palavras estão por pouco transbordando, e eu, me afogando.
Me afogando nas palavras que nunca te disse, mas ainda assim palavras que eu abandonei. Palavras que me deixaram e beijaram um papel. Palavras que hoje me assombram como um eco. E esta carta que te escrevo agora sobre todas as outras cartas, não passa disso: outro aviso poético que morrerá mudo longe dos teus olhos e de teus ouvidos. Longe do teu coração. Não me tome por alguém egoísta ou covarde, as cartas absorveram todo meu amor, minha saudade e minha raiva durante os últimos anos e dividir isso tudo com você agora, será assumir que eu realmente senti muito. E querido, não estou me desculpando. Me desculparia pelos os erros e omissões, que foram tantos, mas não pelo o amor. Não por todas estas palavras.
Ainda sentada na sala, encarando a caixa silenciosa mas agressiva, observo os envelopes diversos, os formatos variáveis, e percebo que algumas cartas são tão grossas e grandes que me questiono se em algum momento eu me irritei por ter tanto a dizer a um papel, e não aos teus olhos lindos. Se elas pudessem gritar, provavelmente me ofenderiam e te acolheriam. Provavelmente, amariam você tanto quanto eu amo ou já escrevi sobre isso. Esta caixa de cartas, abarrotada e emotiva, é a prova viva de que nosso amor sempre foi demasiado intenso, mas covarde. Calado. Eu, pequei em me confessar com as cartas. Você, em não gostar de ler. Uma pena.