O nome dele era Samuel
Eu o conheci no risca a faca. Foi numa jogada de sorte, que acreditem se quiser, nem fui eu que tentei. Diferente dos garotos da sua idade, você tinha outros assuntos, outros interesses e um outro olhar sobre a vida. E foi esse mesmo olhar que te fez parar e tentar perceber as coisas de uma forma diferente por aqui. Um outro olhar sobre uma bagunça de alguém que às vezes é mais poesia do que mulher. E bom, nem todo mundo gosta de poesia. Mas você gosta. Você entendeu desde o começo que comigo dois mais dois são cinco, e que não havia um manual de instruções no português. Ou estava em russo ou em árabe, e como você não sabia ler, preferiu você mesmo montar um a sua maneira. Aprendeu a lidar comigo a duras penas. Percebeu detalhes, manias, limitações e virou um amante do silêncio. Do meu silêncio.
Começamos então a trocar cartas.
Da mesma forma simples que eu levantava da mesa ou batia portas com rapidez, você passou a se acalmar com o silêncio da minha ausência sabendo que ele não passava de uma promessa muda que eu voltaria. E eu sempre voltava. Animada, inspirada e cheia de novidades a ser compartilhadas, até que o silêncio se fizesse necessário de novo. Foram inúmeros momentos únicos divididos por madrugadas a fora. Por textos, e linhas, e versos e rimas. Que viraram cartas. Que viraram história. Que viraram mensagens e enredo para essa história de nós dois. Passamos a dividir paixões, além da escrita e dar cartas; o apresso pelo o café. O gosto pelo o vermelho cor de amor maduro. A necessidade de expressar os sentimentos em versos. A liberdade de pedir um momento ou dois para resolvermos outras coisas antes de lermos textos um do outro e dar opiniões sinceras.
Aprendemos nós dois, sobre nós dois. Sobre como vidas diferentes e em ritmos diferentes podem se encaixar, só porque antes disso acontecer uma outra coisa se encaixou, que se ligou a uma situação que virou um motivo. Que terminou nesse encontro de almas. Tantas pessoas passaram por nós antes de nós, que viraram uma base bem sólida de amizades que nos sustentam ao longo da nossa jornada. E apesar de sermos diferentes como exatas e humanas, somos reais e amorosos. Nós somos de carne e osso. Feito de amor e motivos. De raiva e trovões. De pausas, conversas e silêncio. De risadas. Trocamos cartas diariamente com a certeza de que mesmo com a demora e a ausência que acontece, estamos sempre ali. Você, está sempre ali. Sempre com sua coragem e carinho. Sempre com esse teu coração tão grande. Sempre com água tônica, o que confesso; nunca vou conseguir entender – mas eu também não entendo porque converso sozinha ou tomo água com gás as terças-feiras na padaria. Nosso amor é feito esses romances que encontramos perdidos em prateleiras de sebos antigos. Subestimado por quem não conheceu, mas imensamente amado e compreendido por quem se arriscar ler. Nunca foi nossa intenção ganhar manchetes de um jornal sobre o que fazemos com as palavras que temos, mas ganhamos tantas histórias perdidas por entre as cartas trocadas que não posso imaginar um outro modo de terminar mais essa carta que lhe escrevo.