Fazendo as malas
Não é ego, controle ou o que quer que seja, rapaz. É a indiferença.
Nesse tipo de situação nós só temos duas opções, bem claras e distintas, e é óbvio que eu já escolhi a minha. Eu diria que você escolheu por mim, na verdade, mas, como nessas horas é muito fácil se isentar, ficamos assim.
Só que eu ainda estou fazendo as malas. No gerúndio mesmo, essas coisas são processo. Tá tudo misturado, tem muita coisa pra separar aqui. E eu nem sei se já achei tudo.
Estou escolhendo o que vou levar comigo, o que vou deixar com você, o que vou jogar fora, sem sequer te dar a oportunidade de guardar. Eu tenho esse direito, não tenho?
Essa situação não é das mais comuns, eu sei. Geralmente não temos esse tempo, as coisas acontecem bem mais de rompante.
Por um lado o rompante é bom, dizem que é assim que se arrancam curativos. Mas e se o caso é um pouco mais invasivo, quase cirúrgico, você pode simplesmente ficar sangrando aberto por aí?
Sem falar que esses rompantes, por outro lado, são foda também. Você acaba levando e deixando coisas que nem podia.
Às vezes você leva muitos farelos, que sujam a mala e ocupam espaço. E deixam ela pesada pra cacete. Eu vou precisar carregar sozinha, entende? Será que é verdade que a gente descobre forças que nem imaginava?
Às vezes você acaba deixando pedaços de você, que não vão se reconstituir de uma hora pra outra (quem dera ser Prometeu nessas horas). É claro que somos inteiros, e o mundo segue, sorrindo e te acolhendo, é o que desejo e espero, mas essas coisas sempre dão uma bagunçada na casa, não tem como.
E funcionam como um tipo de infiltração, daquelas que vêm do vizinho e você acaba demorando um pouco pra descobrir exatamente a origem e o que tá causando. As proporções tendem a ser um pouco maiores do que aparentam.
Aí você descobre, mas nem sempre é simples consertar.
E até que consiga dar jeito, ela fede e incomoda. O dia inteiro. Tem momentos em que você se acostuma, quando fica exposto direto, geralmente. Mas quando precisa sair, e voltar, o que eventualmente acontece, parece que tudo recomeça, que tá fedendo e incomodando mais ainda até. Às vezes ela pinga. Às vezes estraga seu assolho, que era novo e estava impecável até então.
E eu quero que a gente saia ileso. Ou o mais próximo disso possível.
Ok, a quem estou querendo enganar? Isso é impossível, tudo bem. Mas eu vou deixar linha e agulha aqui pra você, não tenha dúvidas. Acho até que já passei a linha pela agulha, vou conferir de novo.
Aquela Super Bonder eu vou levar comigo, já até botei na mala, foi uma das primeiras coisas que guardei. Espero que entenda, eu precisava.