Eu tenho que confessar
Eu sou uma pessoa que não sei ficar doente. Do mesmo jeito que não sei lavar louça sem molhar toda minha calça. Muito menos acertar o vaso inteiramente. Tudo bem que quando quero acerto coisas bem menores, mas é melhor não entrar em méritos desse detalhe.
Não sou de admitir fácil, mas eu gosto de ter uma imagem um pouco distorcida da que sou. Se eu bato o dedinho na quina, eu seguro o máximo e tento sorrir, quase nunca reclamo do mal jeito nas costas, pois é, a idade... E também não tomo remédios nem a pau, e nem pense em me arrastar ao médico. Pois, se for para morrer, que eu morra com honra, dignidade e fé, como um guerreiro ao auge de sua virilidade. Mas, assim baixinho, preciso confessar que quando fico doente pareço uma criança, chega até a ser engraçado dentro de mim mesmo. E não são quaisquer crianças não, são aquelas que se jogam no chão do supermercado e começam a chorar.
Pois é, eu disse que era engraçado.
Sempre fui manhoso. Daqueles que, além de manhoso, é aquele digno e honrado dramático, espera um momento pra fazer uma cena que beira a perfeição. Como as de Shakespeare. Coitadas das minhas namoradas. Eu me lembro como se fosse ontem, eu ficava de cama por um resfriado ou garganta inflamada, e como quem não queria nada, usava de minhas estratégias como se fosse um jogo de xadrez.
ra costume elas virem para trazer algum chá ou xarope e me oferecer um cafunézinho (ninguém é de ferro,né?). Era só eu ouvir o portão da minha casa se abrindo para eu começar o teatro. E quando eu as ouvia chegando, corria para apagar a luz do meu quarto e me escondia feito um camundongo por baixo das cobertas. Eu queria mimo, claro. Mas não admitiria isso nem sob torturas medievais.
E quando eu ouvia a porta do meu quarto se abrindo? Nossa! Eu merecia um Oscar. Falava minhas últimas palavras como se não houvesse amanhã e, quem sabe, até pedia para elas avisarem que caso eu morresse eu queria que enterrassem meus textos juntos comigo. Cada um tem direito de decidir o que leva, né? Sempre quis uma morte que fizesse jus a vida intensa que vivi, todas as aventuras, amores e desamores. Fugindo do clichê, é claro. Espero que a frase que eu fale antes de morrer deixe um ar de mistério, como se eu tivesse comigo o segredo da paz mundial.
O roteiro desse teatro todo já era de lei. Eu começava doente, e deitava juntinho, agarrado e só faltava grunhir, logo, uma mão puxava a outra e se auto direcionava. Até que daqui a pouco ela percebia minhas segundas intenções e me olhava com aquele olhar de espanto-sacana dizendo: “Cê não tava doente?” E era hora do meu xeque-mate E eu, prontamente respondia: “Eu sim, ele não”. E ela ria. Por pouco tempo. Pois, já dizia Jean Jacques Rosseau “Somente o sexo pode curar a doença que é a vida”. Mentira, foi eu que disse. Mas enfim, Jean Rosseau, Jean Lescano, não muda muito não. Tudo a mesma coisa.
PS: Ah, se um dia você for a minha namorada, e eu apagar a luz e ficar surrupiando olhares por baixo da coberta, olhando com um olhar de quem esta para bater as botas e começar a pedir que diga algumas coisas para minha mãe, finja que acredita, ok? É importante para minha metade mimada que, volta e meia, precisa tanto de um momento de infantilidade.